drenagem torácica: princípios, comentários e cuidados


Introdução

O incremento do uso terapêutico da Drenagem Torácica que se tem verificado a nível dos serviços, associado ao número de questões e de dúvidas que os enfermeiros colocam face a este tratamento, levaram a que considerasse ser importante a compilação não exaustiva de elementos básicos sobre este procedimento.
É nosso objetivo fornecer informações aos profissionais que lidam com este tipo de equipamento, os conhecimentos básicos sobre os componentes de uma drenagem torácica, as possíveis formas como esta é realizável e as complicações a ela associadas.
Ao longo do texto serão apresentados os princípios em que se baseia, as indicações e a finalidade e, as vias de acesso para uma drenagem torácica. Numa segunda parte enumeram-se e descrevem-se os diversos tipos de sistema de drenagem, para no final sistematizar os riscos e as complicações, interligados com a atividade física e as alterações da autoimagem. Refere-se uma abordagem de um tema que consideramos importante e analisado somente nas vertentes do equipamento e sua utilização.

Generalidades

A pleura possui dois folhetos: um visceral, aderente ao tecido pulmonar e; um parietal, aderente às estruturas da parede torácica. Esta dupla aderência é a responsável pela manutenção da expansão torácica, ao longo do ciclo respiratório. Sem essa força de tração o tecido pulmonar estaria permanentemente colapsado em torno dos ramos brônquicos.
O espaço pleural - espaço virtual entre os dois folhetos - é ocupado pelo liquido pleural. Este liquido tem por função reduzir o atrito entre os folhetos pleurais, durante o movimento respiratório.


Este liquido, segundo AGAREZ, é composto por:

Volume: 1 a 2 ml em cada espaço
Proteínas: 1,77 g/dl
Células: 4.500/ml
Monócitos - 54 %
Células degenerativas - 30 %
Linfócitos - 10 %
Polimorfonucleares - 4 %
Células mesoteliais - 5


Um aumento patológico deste volume liquido (por sangue, exsudados, etc.) vai afetar a força aspirativa do espaço pleural. O mesmo se verificar se existir ar no espaço pleural. A pressão negativa pré-existente, resultante do campo de forças exercido pelo tecido pulmonar e pela pressão intra-pleural colóido-osmótica, ir então diminuir (ou mesmo ser anulada), com consequente colapso pulmonar (parcial ou total).
As trocas gasosas a nível alvéolo-capilar dependem de diversos fatores, de entre os quais salientamos:
1) volume circulante de sangue saturado de dióxido de carbono, nos capilares pulmonares;
2) a quantidade de oxigênio que atinge o alvéolo;
3) a permeabilidade da membrana alvéolo-capilar.
Sempre que há um derrame, independentemente da sua etiologia ou do seu conteúdo (liquido ou gás), vai haver uma diminuição da superfície total disponível para a efetivação das trocas gasosas, isto é, vai ocorrer uma diminuição da capacidade vital e da compliance pulmonar.
Se essa coleção de liquido ou de ar atinge proporções que coloquem em risco a vida do doente dever-se-á proceder à sua remoção através de drenagem torácica.
A técnica da drenagem torácica consiste na colocação de um cateter torácico no espaço pleural, e a sua conexão a um sistema de drenagem.
Este sistema é composto por uma série de tubos e por um recipiente coletor do produto drenado, colocados de modo a funcionar num único sentido (o do pulmão para o recipiente coletor).




Indicações e Finalidades

A decisão de colocar uma drenagem torácica baseia-se em diversos fatores, tais como:
- Extensão do pneumotórax (mais de 20 % do campo pulmonar);
- Sinais e sintomas apresentados;
- Doença pulmonar subjacente e é sempre uma decisão médica.

Segundo BENZ, a presença de dificuldade respiratória, dor moderada ou severa e agravamento do derrame são indicadores para colocar uma drenagem torácica.
Segundo SANCHES, ao instituir-se uma drenagem torácica pretende-se:
1) Drenar para o exterior o liquido ou gás acumulados;
2) Restaurar a pressão do espaço pleural;
3) Reexpandir o pulmão colapsado.

Por sua vez, as indicações mais comuns da drenagem torácica são:
- Pneumotórax;
- Hemotórax;
- Derrame pleural;
- Fistula broncopleural;
- Cirurgia intra-torácica.

Princípios em que se baseia a drenagem torácica

A drenagem torácica pode executar-se por ação:
1) gravitacional;
2) de pressão positiva intrapleural;
3) de pressão negativa no sistema de drenagem.

1 - Ação gravitacional
O ar e/ou os fluidos deslocam-se de um nível mais alto para um nível mais baixo, isto é, deslocam-se dos valores de maior pressão para os de menor pressão. Ao colocar os frascos coletores a um nível inferior ao do tórax estamos a estabelecer um circuito cujo sentido é do tórax para os frascos. A inversão desse sentido leva a que seja re-introduzido o produto drenado na cavidade pleural, com consequente aumento do derrame e um agravamento do potencial para a infecção.

2 - Pressão Positiva Intrapleural

O ar e os fluidos em excesso contidos na cavidade pleural estão sob tensão, ou seja, estão sujeitos a um valor de pressão mais elevada que os contidos no frasco coletor, colocado a um nível mais baixo que o tórax, esta pressão leva a que esse ar e esses fluidos sejam deslocados em direção ao frasco coletor.
Para esse aumento de pressão intrapleural contribuem, não só os líquidos ou o ar por si sós, como também a inspiração forçada e a ventilação artificial.

3 - Pressão Negativa no sistema

Este processo é o oposto do anterior. Ao ser aplicada, no sistema de drenagem, uma pressão inferior à existente na cavidade torácica estamos a forçar o movimento do liquido e do ar, contidos na cavidade pleural, em direção ao frasco coletor.
É um procedimento muito comum quando se pretende efetuar uma rápida depleção do liquido ou ar contidos na cavidade torácica - como por exemplo, após se ter quebrado o selo de água numa drenagem simples (Ver também 6 - Riscos e complicações).
Realiza-se conectando o sistema de drenagem a um sistema de vácuo.
A pressão aplicada não pode ser muito grande (o máximo oscila entre -20 e -30 cmH2O), pelo risco de se efectuar uma aspiração de tecido pulmonar (o que de modo algum se pretende, pois iríamos agravar ainda mais a situação do doente).

Vias de Acesso

A introdução do cateter torácico é realizada por punção da parede torácica, no decurso da cirurgia ou, sob anestesia local, na unidade de internamento.
O local de inserção varia de acordo com o produto a remover e a sua localização. No entanto as vias mais comuns são:
a) no 2º ou 3º espaço intercostal anterior, na linha média clavicular (para drenar um pneumotórax);
b) no 4º a 6º espaço intercostal, na linha média axilar (para drenar líquidos).
A escolha destes locais tem a ver não só com as características físicas dos drenados (o ar tende a tomar uma posição mais elevada que o meio liquido) como também por se procurar puncionar locais em que a irrigação e a enervação não estejam no trajeto do cateter.
Pode haver necessidade de se colocar mais de um dreno no mesmo indivíduo e em locais diferentes dos atrás enunciados. Idealmente a introdução de um cateter torácico deverá ser feita sob controle radiológico.
No entanto, sabe-se que por condicionalismos diversos (sobretudo estruturais, físicos e organizacionais) tal não é praticável. Na sua impossibilidade impõe-se que, após a colocação da drenagem torácica, seja feito um exame radiológico para controle da localização do cateter e despiste de intercorrências.

Sistemas de Drenagem

Os sistemas de drenagem podem classificar-se em:
a) quanto ao método de manutenção do sentido do circuito:
- De selo de água;
- Valvulares.
b) quanto ao processo de drenagem:
- Passivos;
- Ativos.
c) quanto ao equipamento:
- Simples;
- De duplo frasco;
- De triplo frasco;
- Descartáveis.

Sistemas de Selo de Água

Nos sistemas de selo de água, uma tubuladura tem uma das extremidades mergulhada (cerca de 2 cm) num fluido contido num vasilhame. A outra extremidade encontra-se conectada, direta ou indiretamente, ao cateter torácico.
A coluna de água que preenche a porção imersa da tubuladura vai funcionar como válvula unidirecional. A quando da expiração permite a passagem do produto drenado para o frasco coletor (por se desenvolver no circuito uma pressão positiva) e, durante a inspiração impede o retrocesso desse drenado por se elevar uma coluna de água que estabiliza a diferença de pressão entre o frasco coletor e a pressão intrapleural.
Este sistema pode ser constituído por um, dois ou três frascos ou por equipamento descartável. É usado tanto em drenagens passivas como ativas.

Sistemas Valvulares

Neste sistema, um dispositivo de dupla membrana, é interposto entre o cateter torácico e o coletor. A ação combinada das membranas possibilita a passagem de ar e/ou dos fluidos do tórax para o coletor, mas não o seu retrocesso.
É um processo relativamente recente, mas que veio aumentar o nível de segurança na manipulação dos sistemas de drenagem torácica. Enquanto que se num sistema de selo de água, um frasco se parte ou um tubo se desconecta do cateter torácico, ocorre então entrada de ar através do cateter, indo provocar um pneumotórax hipertensivo, com as válvulas essa situação está minimizada.
Destes sistemas, os mais em voga são: a Válvula de Heimlich e; os cateteres de baixo fluxo.

Válvula de Heimlich

A Válvula de Heimlich é constituída por um tubo de plástico de cerca de 15 cm de comprimento, no interior do qual estão duas lâminas de borracha em íntimo contato entre si. Os topos deste tubo são encerrados por uma conexão para o cateter torácico e outra conexão para o sistema coletor.
A pressão exercida pelo liquido ou pelo ar nessas lâminas de borracha faz com que estas se separem ligeiramente, permitindo a drenagem dos produtos (ar ou fluido), logo após o que se encerram novamente impedindo o seu refluxo. A resistência que a válvula oferece à passagem destes produtos é mínima.
É um produto descartável, que funciona em qualquer posição, pelo que permite o tratamento em ambulatório de alguns pneumotórax.

Cateter de Baixo Fluxo

É também denominado por sistema de McSwain. Consiste num cateter fino de cerca de 50 cm de comprimento e 2,7 mm de diâmetro. A sua extremidade é arredondada e possuem diversos orifícios laterais por onde se efetuar a drenagem. Na outra extremidade existe uma válvula unidirecional cujo princípio de funcionamento é idêntico ao da Válvula de Heimlich. Tem ainda a vantagem de ser completado por uma derivação abaixo da válvula unidirecional, pelo que é possível aplicar uma força de sucção ao cateter sem ter que efetuar desconexões ou alterações no sistema.
As vantagens são semelhantes às da Válvula de Heimlich, acrescidas de ser muito mais cômodo para o doente devido às suas reduzidas dimensões. A sua principal desvantagem é o seu preço.

Drenagem Passiva

É um tipo de drenagem que faz apelo à força gravitacional e à existência de uma pressão positiva intrapulmonar, para a concretização da drenagem pleural.
Pode ser realizada de um modo simples, isto é, o frasco que serve de selo de água é o mesmo que vai servir de coletor do drenado, ou pelo sistema de duplo frasco, funcionando o primeiro frasco exclusivamente como coletor e o segundo como selo de água.
Por este processo, a drenagem é efetuada lentamente e depende de fatores individuais.
As atividades de fisioterapia respiratória têm um papel preponderante neste tipo de drenagem. É o processo de drenagem mais comumente utilizado.

Drenagem Ativa

Quando se pretende acelerar a reexpansão pulmonar, drenar uma grande quantidade de liquido ou de ar ou, se pretende corrigir uma fuga de ar há que aplicar uma força aspirativa continua no sistema de drenagem.
Esta aspiração continua é mantida constante e dentro dos níveis de segurança, pela colocação de um frasco a seguir ao de selo de água. Este segundo frasco tem como características especiais, para além de estar conectado a um sistema de vácuo, o facto de possuir uma vareta que tem uma das extremidades mergulhada (cerca de 20 cm) num liquido estéril e a outra extremidade aberta para o ar atmosférico. Deste modo, independentemente do valor de sucção aplicado pelo sistema de vácuo, a força aspirativa é mantida constante, pois a aspiração excessiva efetuada pelo vácuo é compensada pela entrada de ar através da vareta.
A força aspirativa aplicada à cavidade pleural é a resultante da ação da imersão da tubuladura proveniente do cateter torácico e da quantidade de vareta imersa no segundo
frasco. Por exemplo, se no primeiro frasco a tubuladura estiver mergulhada 2 cm e no segundo (ao qual está conectado ao sistema de vácuo) a vareta estiver mergulhada 20 cm então a pressão aspirativa é de -18 cm H2O (i.e. 2-20 = -18).
Tal como acontece com o sistema passivo, pode ser colocado um frasco somente para colheita do produto drenado. Este frasco deve ser colocado interposto entre o cateter torácico e o frasco de selo de água.

Sistemas Descartáveis

Surgem como resposta a um dos principais problemas dos clássicos frascos - a quebra do selo de água. Os frascos, por serem de vidro e de grandes dimensões, quebram-se e caem com facilidade, pelo que é frequente o desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo. Por outro lado é difícil de deslocar a unidade doente/sistema pela complexidade e peso do sistema.
Deste tipo de drenagem o sistema mais conhecido é o PLEUREVAC.
São feitos de um material plástico transparente. São leves, fáceis de transportar e de uso único.
Funciona de modo similar ao sistema de triplo frasco. Têm três câmaras: uma para recolha do produto drenado; outra para o selo de água e; a terceira destina-se à aplicação de um sistema de vácuo. Por serem transparentes é possível observar o funcionamento de cada uma das câmaras.
Com estes sistemas é possível a recolha de produto para análise sem ter que se abrir o coletor.

Riscos e Complicações

Sendo uma técnica invasiva, a drenagem torácica não é isenta de riscos e, por vezes, surgem complicações, algumas das quais com gravidade.
As complicações mais frequentes são:
1) a hemorragia por lesão de um vaso (artéria intercostal, subclávia, mamaria, etc.); ou por
oclusão do tubo, mascarando assim a evolução de um hemotórax;
2) infecção devida sobretudo a uma manipulação incorreta do sistema;
3) enfisema subcutâneo por deficiente posicionamento do cateter torácico;
4) abcesso da parede, resultado sobretudo de deficiente técnica ou a quebra do frasco coletor.

1) Quebra do selo de água. Surge por:
- colocação da tubuladura proveniente do doente acima do nível de água;
- o frasco com selo de água tombar;
- quebra do frasco com selo de água
2) desconexão acidental dos tubos
Estes dois acidentes permitem a entrada brusca de ar para a cavidade pleural, do que vai resultar um pneumotórax extenso, normalmente hipertensivo.
3) elevação do frasco com selo de água a um nível igual ou superior ao do doente. Este acidente leva a um refluxo do produto drenado e do liquido contido nos frascos coletores para a cavidade pleural, por um processo de sifão
4) oclusão do tubo de drenagem por:
- acotovelamento do tubo;
- compressão por o doente se deitar sobre o tubo enquanto dorme;
- formação de coagulo ou de processo fibrótico junto dos orifícios de drenagem.
Esta situação conduz também ao desenvolvimento de processos hipertensivos no local afetado, devido à existência de um agravamento do derrame concomitante com a não efetivação da drenagem do ar ou líquidos acumulados.

Clampagem do sistema de Drenagem Torácica

A clampagem de uma drenagem torácica é realizada por duas pinças de Kocker, colocadas abaixo do cateter torácico. As pinças devem ser colocadas em sentido oposto e afastadas entre si cerca de 5 cm. Esta dupla clampagem destina-se a aumentar a segurança - se uma pinça se abre a outra evitará a entrada de ar na cavidade pleural.
Um aspecto a ter em linha de conta é a necessidade de as pontas das pinças estarem protegidas por peças de borracha, para que não sejam praticados cortes no tubo de drenagem.

São indicação para a clampagem do dreno torácico:
1) a desconexão acidental dos tubos ou quebra dos frascos (colector ou de selo);
2) durante as operações de mudança de frasco ou de abertura dos mesmos;
3) no transporte do doente.
A clampagem não é isenta de riscos. Ela funciona como oclusivo do tubo de drenagem.
Por impossibilitar a drenagem ela pode conduzir a um agravamento do derrame, com os consequentes riscos para o doente: lesão pulmonar; distúrbio cardíaco; alteração da ventilação. Por isso mesmo a clampagem deve ser efetuada no final da fase expiratória.
Excetuando-se se se está a avaliar a tolerância do doente à clampagem, esta deve ser mantida pelo menor espaço de tempo possível. Os riscos que coloca assim o justifica.
Num indivíduo com um clampe colocado, a pressão intrapulmonar pode ser aumentada diversas vezes, se o indivíduo tosse ou se o derrame se agrava. Este evento, pode vir a desencadear um agravamento da situação - por exemplo, pode reativar uma fistula broncopleural.

Dreno Torácico e Mobilização do Paciente

A presença de um dreno torácico não é impeditiva da mobilidade geral do indivíduo. No entanto, o sistema de drenagem pode limitar a deslocação do indivíduo na unidade de internamento. Por exemplo, o indivíduo com um sistema aspirativo e em selo de água, embora se possa sentar na cama ou deslocar-se em torno dela, está sempre limitado pelo comprimento do tubo que vai do cateter torácico até ao frasco coletor e deste ao sistema de aspiração. A introdução dos sistemas descartáveis e das válvulas unidirecionais, veio obviar um pouco este aspecto.
A dor provocada pela situação base, associada ao incomodo, desconforto e mesmo a alguma dor produzida pela presença do próprio dreno pode também ser um fator condicionante da mobilidade do doente. O medo sentido pelo doente, a par da informação fornecida pelos profissionais de saúde pode também condicionar a atividade geral do indivíduo.
Independentemente destes aspectos, o doente deve ser sempre encorajado a tossir e a efetuar inspirações profundas periodicamente. Pois estas atividades facilitam a reexpansão pulmonar e previnem a infecção e a atelectasia.

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