Introdução
A inflamação foi descrita, pela primeira vez, por Célsius, que viveu entre os anos 30 AC e 30 DC e que observou que os sinais cardinais da inflamação eram o calor, o rubor, o turgor e a dor aos quais, Virchov acrescentou depois a perda da função.
O processo inflamatório pode ser desencadeado por traumatismos, produzidos por diversos agentes físicos e químicos, pode ser iniciado por invasão dos tecidos por microorganismos, e pode ser iniciado por estresse.
O Processo de Inflamação e as lesões
Na verdade, a reparação dos tecidos gastos pelas atividades diárias que executamos ao longo de toda a nossa vida, é feita por um processo biológico celular que envolve os mesmos elementos que participam da inflamação. Assim, as fibras de colágeno perdidas pelo desgaste natural dos nossos tendões, por exemplo, são removidas por fagocitose enquanto sua substituição é provida pelos fibroblastos encarregados de reparar o dano causado pelo uso das articulações que os tendões controlam.
O papel de limpeza dos restos tissulares, feita pelos fibroblastos, sinoviocitos e condrocitos é desencadeado pela Interleucina 1 (IL1) e pela Linfotoxina (TNF) que os fazem produzir proteoglicanases, colagenases e gelatinases. Do ponto de vista geral, ambos mediam muito dos eventos importantes necessários para a proteção contra os invasores e também a regeneração posterior dos tecidos lesados. Por outro lado, em condições especiais, o mesmo mecanismo pode mediar à destruição do tecido sadio.
Por exemplo, a administração de Interleucina 2 - um dos mediadores do processo inflamatório - para o tratamento de neoplasias malígnas, pode causar compressão ao nível do túnel do carpo, provavelmente pelo edema intersticial generalizado que provoca.
Desde que mantido em ritmo normal, o processo de reparação das perdas tissulares fisiológicas refaz às estruturas perdidas sem deixar cicatrizes, sem modificar as propriedades mecânicas dos tendões e sem produzir o quadro clínico de inflamação.
Num estudo recente Oppenheim mostrou que virtualmente todas as células nucleadas podem produzir osteoblastos, os monócitos/macrófagos, os linfócitos B, as células dendríticas, etc. É interessante notar que essa universalidade celular dos mediadores inflamatórios abre espaço para que se possa inferir que estímulos físicos nociceptivos continuamente enviados pelos receptores periféricos possam causar alterações bioquímicas nos neurotransmissores que, no Sistema Nervoso Central, controlam nosso comportamento.
Essa inferência tem recebido confirmação de outros autores, desde que Adler, em 1974 (citado por GOLEMAN, D14), descobriu que o sistema imunológico, tal como o cérebro, era capaz de aprender. Numa experiência feita com ratos de laboratório, Adler observou que uma solução de imunossupressores e água com açúcar produzia uma grande eliminação das células T, responsáveis pelo combate as doenças.
Em um grupo controle dos animais, os imunossupressores foram retirados da solução e se observou que, apesar de estar recebendo apenas água com açúcar, a diminuição das células T continuou, porque o sistema imunológico dos animais havia aprendido a suprir as células T, em resposta ao gosto açucarado da solução que ingeriam. Com o passar dos anos, a descoberta de Adler forçou uma nova visão das ligações entre o sistema imunológico e o Sistema Nervoso Central, dando origem a um novo campo de pesquisas, a Psiconeuroimunologia.
Segundo Goleman, existem indícios de que os mensageiros químicos que mais operam, tanto nas funções cerebrais quanto no sistema imunológico são mais concentrados nas áreas cerebrais que também controlam a emoção. Ele cita outros estudos para afirmar que existe uma rota física, que permite que as emoções tenham impacto direto sobre o sistema imunológico. Ainda segundo o mesmo autor, as emoções têm um poderoso efeito sobre o Sistema Nervoso Autônomo, que regula funções vitais como a pressão arterial sistêmica e a liberação de hormônios.
Durante pesquisas realizadas com seus colaboradores, ele detectou um ponto de encontro onde o SNA, interage diretamente com linfócitos e macrófagos, células do sistema imunológico. Esse contato é feito através de sinapses que se comunicam com as células imunológicas através da liberação de neurotransmissores que regulam a atividade das células e recebem informações no sentido contrário.
Outra rota-chave que liga emoções e o sistema imunológico, ainda segundo Goleman, está na influência dos hormônios liberados sob tensão. As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), o cortisol, prolactina e os opiáceos naturalmente existentes em nosso organismo, são liberados durante a estimulação da tensão. Essas substâncias hormonais, quando liberadas na circulação, bloqueiam a função do sistema imunológico. Esse bloqueio está relacionado com as reações de adaptação ao estresse, descritas por Hans Selye em 1936, citado por RODRIGUES.
Ainda segundo Rodrigues, Selye utilizou o termo estresse para denominar o conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige um esforço de adaptação, como ocorre com um politraumatizado, com a mãe que se preocupa com o filho, o operário que trabalha em um ambiente barulhento ou perigoso para sua integridade física, o executivo que luta para cumprir os prazos, o atleta antes de uma competição. Todos enfim, apresentam uma situação comum: estão sob estresse desencadeado pela necessidade de adaptação.
O conjunto de modificações não especificadas que ocorre no organismo, em situações de estresse foi denominado Síndrome Geral de Adaptação, que é composto por três estágios;
- 1. reação de Alarme,
- 2. fase de Resistência e;
- 3. fase de Exaustão, que podem se desenvolver progressivamente, dependendo da intensidade e da duração dos estímulos que produzem a necessidade de adaptação.
Resumidamente a fase inicial começa com a exposição ao fator que requer a adaptação e se caracteriza pela liberação de substâncias que ativam o Sistema Nervoso Autônomo e preparam a reação de defesa. Situações que induzem medo, dor, fome e raiva são os principais desencadeadores dessa fase.
Mantidas as condições que desencadearam a necessidade de adaptação, ocorre uma fase intermediária, chamada de fase de resistência, em que os órgãos produtores de hormônios e células imunológicas são solicitados a manter prolongadamente as reações de defesa iniciadas da primeira fase.
A maior parte das pessoas envolvidas em situações de estresse prolongado, provavelmente consiga estabilizar seu sistema de defesa, nessa fase. Segundo LEVY,L., o ser humano é capaz de se adaptar ao meio ambiente desfavorável, porém, essa adptação não acontece impunemente.
Mantida a situação de estresse intenso, ocorrem falhas no sistema de adaptação e as consequências podem ser mais graves. Muitos dos mecanismos psicobiológicos acima descritos, provavelmente exerçam influência nos pacientes com L.E.R.
INFLAMAÇÃO E RADICAIS LIVRES
Radicais livres são espécies químicas que apresentam um ou mais elétrons com cargas disponíveis em sua órbita externa. A produção de radicais livres é um processo essencial do metabolismo normal do nosso organismo. No entanto, os radiciais livres são potencialmente destrutivos e necessitam de um controle eficaz de sua produção e neutralização. Atualmente, os avanços tecnológicos permitem que se observe, em laboratório, a produção de radiais livres.
FONTES DE PRODUÇÃO DE RADICAIS LIVRES
Cadeia respiratória
Uma das maiores fontes de radicais livres é a reação produzida por neutrófilos, monócitos sensibilizados, macrófagos e eosinófilos, em resposta a uma gama de estímulos específicos (p.ex., a agressão de uma bactéria) ou inespecíficos (a ativação do complementeo ou a ação de mediadores como a Interleucina 1).
A reação produtora de radicais livres corresponde a complexa cadeia oxidativa que transforma o NADPH em NADP + e produz, como subproduto, radicais oxigênioreativos, como o ânion OH-.
Produção de prostaglandinas
A reação em cadeia do ácido aracdônico e a síntese de tromboxane, ambos processos importantes na produção das prostaglandinas produzem radicais livres.
Mitocôndrias
É uma das grandes fontes de radiciais livres no organismo, cuja produção depende do estado metabólico da célula. Quando a cadeia de transporte de elétrons é reduzida de maneira significativa e a velocidade das reações da cadeia respiratória depende da presença de ADP, ocorre um .vazamento de elétrons. que aumenta a produção de radicais 02.-. Isso pode ocorrer em tecidos submetidos a isquemia, com baixas concentrações de oxigênio.
Citólise
A Xantino-oxidase é uma enzima citolítica normalmente presente na forma desidrogenase, que usa NAD+ como aceptor de elétrons e converte a Xantina e a Hipoxantina em ácido úrico. Durante os processos isquêmicos, a enzima é convertida na forma oxidase, que usa as moléculas de oxigênio como aceptores de elétrons e assim, produz misturas de O2.- e H202.
TOXICIDADE DOS RADICAIS LIVRES, COMO MODULADORES DO PROCESSO INFLAMATÓRIO
Os radicais de oxigênio são tóxicos, porque ele tem a capacidade de desencadear e modular processos inflamatórios. Por exemplo, a peroxidação lipídica induz a vazamento de enzimas do interior das células para áreas onde sua atividade é danosa para os tecidos. Os radicias livres podem ainda agir em sinergia com enzimas proteolíticas, e facilitar a degradação de componentes importantes do tecido conjuntivo e também podem iniciar e modular a reação em cadeia das prostaglandinas. Nas articulações, eles podem produzir danos ativando a cascata das prostaglandinas, podem ativar os neutrófilos e ativar o processo autocatalítico da peroxidação dos lipídeos.
Outro processo de agressão articular produzido pelos radicais livres é conhecido como fenômeno da reperfusão. Esse fenômeno foi descrito em associação com as cirurgias para revascularização do miocárdio e, basicamente, consiste no aparecimento de lesões na parede muscular, quando o miocárdio era revascularizado.
O mesmo processo pode ocorrer nas articulações porque, enquanto estão sendo utilizadas, a pressão intra-articular sobe acima dos níveis de pressão capilar e isso produz isquemia tissular da cápsula e ligamentos. Quando volta ao estado de repouso, a pressão intraarticular diminui e o déficit de perfusão desaparece, pela reperfusão dos tecidos mantidos em isquemia, durante o período de utilização do membro. É possível que parte das bursites e tendinites dos ombros dos digitadores, que são obrigados a manter o braço em discreta abdução, durante a digitação, tenha origem nesses processos oxidativos.
A isquemia converte a enzima citolítica normal desidrogenase xantínica na xantino-oxidase que, ao invés de utilizar o NAD+ como seu aceptor de elétrons, utiliza a molécula de oxigênio, gerando 02.-3. Por isso, é muito tentador especular que esse processo está envolvido nas inflamações da membrana sinovial.
A cartilagem também é afetada pelos radicais livres que atacam as moléculas de prolina que compõe a proteína colágena, fragmentando-a em vários pedaços de comprimentos definidos. A defesa contra a ação deletéria dos radicais livres gerados pelo metabolismo normal ou por alterações metabólicas, pode ser obtida pela oferta de substâncias cujas moléculas neutralizam os radicais livres, formando um composto neutro ou pela remoção dos íons ativos.
Exercício físico adequado e alimentação correta, abstenção de fumo e possivelmente, a organização dos postos de trabalho, de maneira que se evitem posturas viciosas e períodos prolongados de manutenção dos braços elevados também são eficazes para diminuir os efeitos deletérios da oxidação patológica.
INFLAMAÇÃO NEUROGÊNICA
Existem evidências que surgerem o envolvimento do sistema nervoso sensitivo na produção de inflamações localizadas. A ativação de nociceptores polimodais gera reflexos axônicos nas terminações livres arborizadas dos neurônios aferentes primários. Esses reflexos fazem com que as fibras C liberem os neuropeptídeos que iniciam a reação inflamatória.
A natureza desses neuropeptídeos é incerta, mas a substância P é uma das fortes candidatas. Além dela, a Nerocinina A e Calcitonin Gen-Related Peptide. (CGRP) também são considerados importantes. Eles atuam diretamente sobre a musculatura lisa dos vasos ou indiretamente, através da liberação de histamina dos mastócitos. O papel dos nervos periféricos na reprodução da inflamação neurogênica tem sido estudado em laboratórios.
O óleo de mostarda, quando aplicado a pele, produz uma resposta inflamatória aguda, que requer a presença de terminações neuro-sensitivas intacta. Nem a secção da medula ou da raiz sensitiva distal ao gânglio dorsal produz a abolição do fenômeno desencadeado pela mostarda. No entanto, a secção do tronco do nervo sensitivo, periférico ao gânglio dorsal, produz degeneração das fibras aferentes e, quando isso ocorre, a aplicação do óleo de mostarda não produz mais inflamação. Sabe-se também que o bloqueio sensitivo com anestésico local abole a vasodilatação produzida pelo óleo de mostarda.
Observou-se ainda, que pacientes com degeneração articular de Charcot, decorrente de alterações degenerativas da coluna posterior da medula produzidas por sífilis terciária, não apresentam respostas vasculares aos estímulos inflamatórios.
A presença de fibras vasodilatadoras nos nervos periféricos é conhecida há anos e sabe-se que existem fibras na raiz dorsal que, quando estimuladas antidromicamente, produzem vasodilatação da pele por um mecanismo que não envolve o sistema nervoso autônomo. Portanto, a estrutura nervosa que mais provavelmente esteja envolvida com a produção de inflamação é o neurônio sensitivo, cujo corpo está localizado no gânglio da raiz dorsal e cujas terminações periféricas estão espalhadas pela pele, vísceras, músculos, tendões e articulações.
É possível que, em condições de sobrecarga tendínea, como as que podem ocorrer em pessoas que apresentam laxidão ligamentar, o processo inflamatório crônico localizado seja mantido pela ação dos receptores articulares nociceptivos, cronicamente estimulados pela sobrecarga mecânica e pelas microlesões que estas acarretam.
REFERÊNCIAS
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