Fisioterapia em Pacientes Queimados

 Introdução
A preservação da vida e a reabilitação de pacientes queimados são uma enorme conquista. A atuação do Fisioterapeuta na equipe multiprofissional é fundamental para a prevenção de seqüelas e redução de tempo de permanência do paciente no hospital.

Com os constantes avanços tecnológicos e da ciência médica reduziram-se significativamente a morbidade e a mortalidade ocasionadas pelas queimaduras. Além dos novos recursos terapêuticos utilizados no tratamento das queimaduras, o processo de reabilitação também vem se modernizando.

Há pouco tempo a fisioterapia só poderia iniciar sua abordagem terapêutica após a alta hospitalar. Hoje apresenta grande alteração, iniciando já na fase aguda da injúria térmica e permanecendo até aproximadamente dois anos após a alta hospitalar, ambulatorialmente, nas queimaduras de espessura total. Será dada ênfase neste capítulo apenas à fase aguda hospitalar.

O processo de reabilitação compreende várias etapas onde a meta é o restabelecimento funcional e social do paciente. Durante este processo de recuperação, a Fisioterapia utiliza-se de vários métodos e técnicas terapêuticas, sendo as principais condutas a cinesioterapia, que faz uso do movimento e de exercícios terapêuticos, e a massoterapia, que utiliza como recurso terapêutico técnicas de massagem.

A cinesioterapia é um dos principais recursos utilizados no tratamento das queimaduras, tendo como objetivos principais:
• Manter e/ou recuperar a amplitude de movimento de cada sistema osteomioarticular.
• Reduzir o edema.
• Melhorar a circulação na região atingida.
• Diminuir a hipoxemia na região atingida.
• Manter e/ou recuperar os movimentos funcionais.
• Proporcionar alinhamento das fibras cicatriciais.
• Manter e/ou recuperar o trofismo muscular.
• Proporcionar o retorno o mais rápido possível às atividades diárias com independência.
• Evitar seqüelas ou auxiliar no tratamento de seqüelas já instaladas.
• Estimular a nutrição. 


GRAU DE QUEIMADURA
Lesão de Primeiro GrauConsidera-se lesão de primeiro grau aquela que atinge a camada mais externa da pele, a epiderme. Não provoca alterações hemodinâmicas, nem tão pouco é acompanhado de alterações clínicas significativas. Clinicamente a lesão é hiperemiada, úmida, dolorosa. Exemplo: lesão por raios solares. 

Lesão de Segundo GrauAtinge tanto a epiderme como parte da derme. A característica clínica mais marcante é a formação das bolhas ou flictenas. Exemplo: lesão térmica causada por líquido superaquecido. 

Lesão de Terceiro Grau
Acomete a totalidade das camadas da pele (epiderme e derme) e, em muitos casos, outros tecidos, tais como tecido celular subcutâneo, músculo e tecido ósseo. Clinicamente apresenta um aspecto esbranquiçado ou marmóreo; há redução da elasticidade tecidual, tornando-se rígido. Pode apresentar por transparência vasos sangüíneos trombosados. É a mais grave de todas as lesões térmicas, provocando lesões deformantes. Pode ser de causa elétrica ou térmica. Alguns autores consideram como lesão de "quarto grau" as áreas carbonizadas.

• 1° grau - Lesões apenas da epiderme.
• 2° grau - Lesões da epiderme e parte da derme.
• 3° grau - Lesões da epiderme e da derme.

A grande dificuldade prática está na diferenciação entre a queimadura de segundo grau profundo e lesão de terceiro grau. Durante a própria evolução da queimadura, uma infecção ou uma grave instabilidade hemodinâmica podem provocar o aprofundamento da lesão, ou seja, uma queimadura de segundo grau superficial pode evoluir para um segundo grau profundo ou terceiro grau. Em decorrência disso, não devemos ser categóricos quanto ao grau de queimadura em uma primeira avaliação, sendo de suma importância a reavaliação do paciente decorridas 48-72 h da lesão.

Determinar o grau da queimadura significa determinar a profundidade do trauma térmico na pele. 

  
 ÁREA QUEIMADA
Na avaliação da extensão da área queimada, a criança apresenta superfícies corporais parciais diferentes das dos adultos, e a "regra do 9", freqüentemente usada nas salas de emergência para adultos, não deve ser aplicada em crianças, principalmente naquelas abaixo de quatro anos, pela possibilidade de indução de erros grosseiros. O mais apurado método que leva em consideração as proporções do corpo em relação à idade é a tabela de Lund Browder. Considera-se a superfície corporal da criança semelhante à do adulto a partir da puberdade.



Como Preencher a Tabela
Durante o primeiro curativo devemos desenhar, no boneco, as áreas lesadas e somente depois devemos preencher a tabela. Sabendo a idade do paciente, iremos utilizar a coluna correspondente, reparando que alguns valores vão variar de acordo com a idade. Na coluna T2° G iremos reportar o valor de superfície queimada em relação à área queimada com lesões de 2° grau; na coluna T3° G reportamos os valores desta área acometida por queimaduras de 3° grau, sendo somado e colocado o valor final na coluna Total que, por sua vez, será somado aos valores de cada linha para preencher a última célula. Tudo isso nos permite calcular com exatidão o subtotal de queimaduras de 2° grau, de 3° grau e o valor total de superfície corporal queimada. 

GRAVIDADE DA LESÃO
Vários são os fatores que vão influenciar o prognóstico e determinar a maior ou menor gravidade de uma queimadura.
Forma indireta — doença de base, agente causai, traumas associados a queimadura e a idade do paciente, em que crianças menores de 2,5 anos e adultos com idade superior a 65 anos apresentam um pior prognóstico.

Recomendamos a maior cautela ao tratar pacientes idosos, valorizando ou mesmo supervalorizando cada fato e cada sintoma. É importante também esclarecer à família a gravidade do quadro, tendo em vista a idade. Em crianças pequenas esta maior gravidade não é tão notória, com um prognóstico um pouco melhor.

Outro fator indireto de prognóstico e de morbidade é a lesão de vias aéreas por queimaduras. Mesmo em pacientes com superfície corporal queimada de pequena ou média intensidade o índice de mortalidade é de 90 a 100%. Devemos investigar a presença de queimadura de vias aéreas superiores quando houver a menor suspeita.

Na lesão térmica, dois fatores irão influenciar diretamente o prognóstico: a profundidade da lesão e a extensão de superfície corporal queimada. Quanto mais profunda e mais extensa, pior será o prognóstico de sobrevida deste paciente.

· • Queimaduras leves - sem indicação de internação ambulatório:
— l° grau qualquer extensão.
— 2° grau menores que 10%.
— 3° grau menores que 2%.

·  • Queimaduras moderadas - indicação dependente de outros fatores:
· — 2° grau entre 10 a 20%.
· — 3°grau entre 3 a 10%.

·  • Queimaduras graves - internação sempre:
· — 2a grau que excedem 20% da SC.
· — 3° grau que excedem 10% da SC.

· • Queimaduras moderadas - fatores:
· — Menores de 2 anos.
· — De acordo com a etiologia (elétrica, química).
· — Concomitância de doença sistêmica (ex.: desnutrição).
· — Presença de vômitos impossibilitando a hidratação oral.
· — Situação socioeconômica.

· — Queimadura de face (grande edema).
· — Queimadura da genitália (maior risco de contaminação).
· — Outros traumas associados. 

CONTROLE DA DOR E FISIOPATOLOGIA
A dor tem dois processos básicos de origem, a lesão tecidual ou alteração do SN, quer central ou periférico. Há situações em que os dois processos estão envolvidos. Quando a dor tem sua origem nos tecidos que não o SNC, denominamo-la de dor periférica e quando sua origem é no próprio SNC, de dor central.

Para que haja dor é necessário que alterações da integridade dos tecidos ocorram (lesão) ou o sistema de condução dos impulsos nociceptivos e os que interpretam esses sinais estejam bioquimicamente alterados, mesmo que por processos anatomodegenerativos como, por exemplo, tumores, compressões e doenças degenerativas do SNC.

Quando um tecido sofre uma agressão, um estímulo nociceptivo, dependendo da sua intensidade, uma série de fenômenos bioquímicos tem início, alertando o organismo quanto ao risco e ao mesmo tempo providenciando a sua regeneração, que é o processo cicatricial. Não só os terminais nervosos são estimulados por sua própria lesão, mas os tecidos circunjacentes, incluindo o sangue, liberam uma grande quantidade de substâncias alogênicas, tais como: substância P e glutamato (terminais nervosos), bradicininas (cininogênio plasmático), calicrinas (cel. sangüíneas), prostaglandinas (ac. araquidônico-cel. lesionadas), íons K (isquemia - lesão celular), serotonina, fator de necrose tumoral (mastócitos), ocitocinas. Dependendo da extensão e da duração da "lesão-cicatrização" estes estímulos permanentes podem "recrutar" fibras não nociceptivas (tato, temperatura — fibras C silentes) — sensibilização periférica — que passarão a conduzir estímulos álgicos (hiperestesia), os quais chegam ao corno posterior da medula por meio de interneurônios provenientes da lâmina II, as lâminas de Rexed V e IV, onde ativam os neurônios denominados gama dinâmica ampla (GDA), daí ascendem pelo feixe espinotalâmico, aumentando a percepção da dor. Persistindo este quadro de bombardeio medular, estes receptores espinhais (sinapses com as células complexas e GDA) se expandem e sobrepõem ao mecanismo modulador central (endorfinas), criando a sensibilização central; este fenômeno pode levar a alodinia, muito comum nos pacientes queimados.

O uso de drogas, que hoje sabemos ter ação central (talamoespinhal) e periférica (lesão), do tipo anti-inflamatórios não esteroidais (bloqueadores de enzimas de conversão tipo COX2 [ciclooxigenase]), analgésicos não opióides e opióides, antidepressivos tricíclicos, anestésicos locais, têm contribuído para amenizar o sofrimento destes pacientes. Os antidepressivos e hipnóticos têm valioso papel na terapêutica da dor. 

COMPLICAÇÕES DAS QUEIMADURAS
Com os conhecimentos atuais sobre a fisiopatologia das queimaduras e com a ressuscitação volêmica agressiva, a sobrevida dos pacientes com queimaduras extensas tem aumentado. Aqueles que têm superado o choque hipovolêmico e a insuficiência renal se expõem a diversas complicações inerentes à própria queimadura ou decorrentes do tratamento. Neste capítulo não falaremos sobre a sepse da queimadura, a hemorragia digestiva alta, as complicações inerentes à ressuscitação volêmica e as queimaduras de vias aéreas, que serão temas de capítulos específicos. Dividiremos as complicações por sistemas e órgãos, facilitando assim a compreensão das mesmas. 

COMPLICAÇÕES DO TRATO RESPIRATÓRIO
Pneumonia
A forma mais comum desta complicação é a broncopneumonia ou pneumonia de contaminação por via aérea. São precoces e relacionadas a diversos fatores, como a extensão da queimadura, a broncoaspiração, a lesão por inalação e presença de um tubo orotraqueal ou de uma cânula de traqueostomia.

O quadro clínico é de deterioração do estado geral, febre elevada mantida, tosse e expectoração purulenta. Exame radiografia) evidencia infiltrados pulmonares difusos bilaterais. O tratamento deve ser a intensificação da toalete brônquica e uso do antibiótico específico para o germe infectante, devendo todo esforço ser feito na identificação do mesmo.

A pneumonia também pode ocorrer por via hematogênica. Esta era a forma mais freqüente de infecção antes do advento da terapêutica antimicrobiana tópica. Fontes de pneumonia hematogênica incluem a área queimada, tromboflebite supurativa, perfuração de uma víscera oca, infecções ocultas de tecidos moles e endocardite bacteriana.

A pneumonia é de ocorrência mais tardia; um infiltrado pulmonar isolado é o sinal precoce mais comum, podendo posteriormente evoluir para múltiplos infiltrados de distribuição aleatória que podem coalescer e formar áreas de condensação extensa, difíceis de serem diferenciadas daquelas da broncopneumonia. Hemoculturas seriadas devem ser realizadas no intuito de caracterizar o germe agressor.Todo o esforço deve ser feito para detectar e tratar o foco primário. 

Embolia Pulmonar
Trata-se de uma complicação freqüente e potencialmente séria; a queimadura está relacionada, na sua fase inicial, a um estado de hipercoagulabilidade e é necessária freqüentemente a permanência dos pacientes em posições fixas por tempo prolongado. As cirurgias de debridamentos e enxertos também são fatores predisponentes à ocorrência de fenômenos tromboembólicos.

O diagnóstico clínico precoce de trombose venosa profunda nestes pacientes e naqueles vítimas de traumas diversos é muito difícil, o diagnóstico é mais bem estabelecido com o uso de exame ultra-sonográfico.

A profilaxia da trombose é feita com a mobilização precoce do paciente, com o uso de meias elásticas ou de balão pneumático e com heparina de baixo peso molecular.

Em pacientes com alto risco de embolia pulmonar ou com complicações hemorrágicas que contra-indiquem o uso de heparina, deve-se usar o filtro de veia cava inferior profilaticamente. 

COMPLICAÇÕES DO SISTEMA URINÁRIO
Insuficiência Renal
Com os conhecimentos atuais a respeito da fisiopatologia das queimaduras, a mortalidade referente ao choque hipovolêmico tem decrescido acentuadamente, mesmo em grandes queimados. Atualmente observamos quadros hipovolêmico naqueles pacientes que têm retardado o início do tratamento, quer por demora ao chegar ao hospital ou por atraso na transferência para um centro especializado sem que a hidratação seja iniciada.

Torna-se importante salientar que a hipovolemia pode transformar uma queimadura de espessura parcial viável em uma queimadura de espessura total, aumentando assim a morbidade e a mortalidade.
Devido ao aumento da permeabilidade vascular o organismo perde cerca de 4,4 ml de líquidos por quilograma por hora, necessitando portanto de uma reposição volêmica muito agressiva.

Na ausência de uma reposição adequada, ocorrerá redução do débito cardíaco e do fluxo plasmático renal. A insuficiência renal, tanto oligúrica quanto de alto débito, tem sido registrada, aumentando acentuadamente a taxa de mortalidade.

Esta patologia atualmente tem sido observada naqueles pacientes que desenvolvem sepse da queimadura, fazendo parte do quadro de falência de múltiplos órgãos.

Tratamento especial tem de ser dado aos pacientes vítimas de queimaduras elétricas, carbonizações ou queimaduras associadas a esmagamentos. Estes indivíduos podem desenvolver necrose tubular aguda pela ação renal direta dos produtos de degradação da mioglobina, liberados pelo músculo lesado. Estes pacientes requerem uma reposição hídrica maior e muitas vezes associada aos diuréticos osmóticos no intuito de promover um grande débito urinário.

Outra causa de insuficiência renal em queimados é o uso de antibióticos nefrotóxicos, principalmente quando associados a diuréticos de alça.
O quadro clínico é caraterizado pela redução do volume urinário e aumento progressivo do edema. O doente pode tornar-se agitado e desorientado.

Exames laboratoriais evidenciam elevação das escórias nitrogenadas e redução do clearance da creatinina. Poderá ser observada hiperpotassemia. Quando é feito o diagnóstico de insuficiência renal, o tratamento conservador deverá ser instituído, com restrição hídrica e protéica e controle eletrolítico rigoroso. Se a doença progredir, haverá necessidade de instituir processo dialítico, tornando-se muito difícil o manuseio destes pacientes. E freqüente a contaminação bacteriana dos cateteres de diálise peritoneal e dos cateteres venosos de dupla luz usados para hemodiálise. 

Infecção Urinária
É uma complicação freqüente por causa do uso da sonda vesical de demora, para controle do débito urinário nos grandes queimados. Outros fatores podem contribuir para a infecção, como a queimadura de períneo, o uso de antibióticos de largo espectro, doenças obstrutivas do trato genitourinário etc. Além destas causas de infecção ascendente, os rins também podem ser sede de infecção via hematogênica de focos localizados a distância.

O quadro clínico é caracterizado por febre alta, calafrio, disúria e dor em loja renal. O exame de urina evidenciará piócitos, hemácias e cilindros granulosos. A cultura de urina confirmará a infecção e isolará o germe fornecendo o antibiograma. Os germes mais freqüentemente isolados são os bastonetes gram-negativos, podendo também ser isolados cocos gram-positivos, como o enterococo e fungos, principalmente a Cândida sp. 

ANEMIA
Em resposta à maciça perda hídrica e à necrose tissular, observamos inicialmente uma elevação da hemoglobina e do hematócrito, associada ao aumento da hemoglobina livre na urina. Na hematoscopia observamos células vermelhas fragmentadas e esferócitos, sendo a hemólise intravascular confirmada pela queda dos níveis de haptoglobina e elevação dos níveis da metemalbumina no plasma. Após a ressuscitação hídrica, observa-se queda rápida na concentração de hemoglobina e do hematócrito e a anemia significativa é a regra nos próximos dias pós-queimadura.

A anemia é agravada pelas perdas sangüíneas durante procedimentos como debridamentos, curativos, cirurgias e colheita de sangue para exames laboratoriais, além da possibilidade da ocorrência de hemorragia digestiva.

O papel da hemólise contínua é controverso, alguns trabalhos revelam poucas alterações na meia-vida das células vermelhas no período pós-queimadura. Também não foi confirmada por Mortensen 5 uma insuficiência da medula óssea anteriormente suspeitada.

O uso de eritropoietina humana recombinante foi feito em trabalho duplo cego que concluiu que ela não previne a ocorrência de anemia e não diminui a necessidade de hemotransfusão em pacientes com queimaduras acima de 35% de superfície corporal.

A anemia agrava muito o quadro clínico do paciente, não devendo ser preterida a reposição de concentrado de hemácias, devendo-se manter sempre o hematócrito superior a 30%. 

ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS
Íleo
O íleo adinâmico é descrito como um complicador da queimadura nas primeiras 24-48 h pós-trauma. Raramente se observa o quadro clássico de íleo, com distensão abdominal, vômitos, náuseas e ausência de ruídos hidroaéreos à ausculta.

Mais freqüentemente os pacientes apresentam vômitos nas primeiras horas pós-queimaduras, relacionados principalmente à grande ingesta, com sofreguidão, de água antes do início da reposição hidroeletrolítica, devida à sede intensa provocada pela desidratação.

Como tratamento destes distúrbios utiliza-se metoclopramida, restrição da ingesta oral e atraso no início da alimentação enteral. Casos mais graves podem requerer uso de sonda nasogástrica até o retorno da atividade gástrica. 

Diarréia
Pacientes grandes queimados desenvolvem freqüentemente diarréia no curso do tratamento, sendo a causa certamente multifatorial. É comum a presença de verminose associada, principalmente nos pacientes pediátricos, devendo ser feita a pesquisa de helmintos e protozoários nas fezes para administração de antiparasitários específicos.

Maior preocupação é com a infestação por Strongiloides stercoralis que pode causar grave infecção nos pacientes imunocomprometidos. O uso de dieta via enteral hipercalórica e hiperosmolar, de antibióticos de largo espectro, a baixa albumina sérica, entre outros, contribuem para a presença da diarréia.

A intolerância à dieta enteral, caracterizada por diarréia incontrolável ou alto resíduo gástrico, é um importante sinal precoce de sepse, podendo ocorrer antes de se identificarem bactérias em hemoculturas. Este dado indica que o desenvolvimento de intolerância à dieta enteral deve ser usado como indicador de infecção e o foco deve ser prontamente identificado e o tratamento instituído. 

Esofagite
Não tem uma freqüência superior àquela encontrada em necropsias de uma população hospitalizada em geral. E causada principalmente pelo uso de sonda nasogástrica que facilita o refluxo gastroesofágico de material ácido.
O paciente queixa-se de pirose e de dor retroesternal, agravada pela alimentação por via oral.

O tratamento é feito com a alcalinização do meio gástrico, com drogas que facilitem o esvaziamento gástrico como metoclopramida ou bromoprida, permanência do paciente em posição sentada principalmente nos períodos pós-prandiais. Ocasionalmente será necessária a retirada da sonda nasogástrica e suspensão de dieta enteral até que os sintomas regridam. 

Pancreatite Aguda
Pacientes com queimaduras extensas também são freqüentemente acometidos de pancreatite aguda. O quadro clínico de dor abdominal não é observado e a doença não é diagnosticada habitualmente. Deve o clínico sempre suspeitar quando o paciente evolui mal e fazer análises seriadas das enzimas pancreáticas e realizar exames de imagem para confirmar o diagnóstico.

Ocorre mais comumente no doente com infecção generalizada e coagulação intravascular disseminada, naqueles com história de alcoolismo e como complicação de úlcera duodenal penetrante, assim como naqueles pacientes que foram vítimas de traumas associados, inalação ou foram submetidos a escarotomia. Pacientes com níveis enzimáticos muito elevados e/ou queimaduras acima de 50% da SCQ têm alto risco de desenvolverem pseudocisto ou abscesso pancreáticos. Trata-se portanto de uma complicação gravíssima e deverá ter seu tratamento no contexto do tratamento das outras complicações associadas. 

Colecistite Aguda Alitiásica
Ocorrência pouco freqüente nos queimados, tendo duas causas predisponentes. A primeira seria a vesícula como um dos órgãos comprometidos por uma infecção sistêmica. A segunda causa provavelmente seria a desidratação, associada a estase gastrointestinal e biliar e a hemólise. O diagnóstico é suspeitado quando o queimado encontra-se ictérico e com queixas de dor em hipocôndrio direito. A ultra-sonografia revelará uma vesícula biliar distendida e com paredes espessadas.

A prevenção da colecistite, portanto é feita com hidratação adequada e alimentação precoce. O tratamento é cirúrgico e o mais precocemente possível, no intuito de se evitar perfuração e peritonite biliar. O Colecistostomia percutânea em pacientes muito graves também pode ser realizada. 

Lesões Hepáticas
Nas primeiras 24 h pós-queimadura, observa-se em grandes queimados elevação nos níveis séricos das enzimas hepáticas, sem que apresentem quaisquer manifestações clínicas. Estas alterações tendem a se normalizar em poucos dias. Provavelmente estes exames refletem uma alteração no fluxo sangüíneo hepático, durante o período de choque e ressuscitação. Alterações tardias acompanham freqüentemente a infecção e a hipóxia.

Os pacientes encontram-se ictéricos e exames laboratoriais evidenciam predomínio da bilirrubina direita e elevação da fosfatase alcalina, caracterizando um padrão colestático. Estas alterações são características de um processo inflamatório inespecífico generalizado e estão associados a prognóstico sombrio. A icterícia pode também ser agravada pela hemólise secundária à infecção e às reações hemolíticas ao sangue transfundido. 

Síndrome da Artéria Mesentérica Superior
Trata-se de um distúrbio raro decorrente da grande desnutrição a que o paciente grande queimado pode ser submetido. Ocorre obstrução ao nível duodenal causada pelos vasos mesentéricos superiores, principalmente em indivíduos de complexão astênica.

O quadro deve ser suspeitado naqueles pacientes com distensão abdominal pós-prandial, vômitos em grande quantidade ou grandes volumes de aspirado gástrico. O diagnóstico é suspeitado pela seriografia esôfago-estômago- duodeno que evidenciará dilatação do duodeno proximal e obstrução duodenal ao nível dos vasos mesentéricos. Este exame servirá para determinar a posição que o paciente deverá adotar para facilitar o esvaziamento gástrico.

O tratamento deverá ser inicialmente conservador com descompressão gástrica e posteriormente realimentação, adotando postura e manobras que facilitem o esvaziamento. Os casos mais graves que não respondem ao tratamento conservador são submetidos a cirurgia para realização de duodenojejunostomia para alimentação. 

Lesões Intestinais
São pouco freqüentes as lesões intestinais. Elas podem ser observadas ocasionalmente em doentes graves, em razão de isquemia da mucosa, que pode causar úlceras de íleo e de cólon que, por sua vez, podem perfurar e causar peritonite fecal. São complicações que ocorrem em indivíduos já com grave quadro infeccioso, o que torna o diagnóstico muito difícil.

A colite pseudomembranosa é causada pelo Clostridium difficile, germe produtor de toxinas que causam diarréia. Este microorganismo normalmente prolifera no intestino de pessoas que fizeram uso de antibióticos, sendo mais freqüentemente responsabilizados a clindamicina, a ampicilina e as cefalosporinas.

O espectro clínico é muito variável; a maioria dos pacientes tem eólicas e dor abdominal, febre e leucocitose associados a diarréia, que regridem rapidamente com a suspensão do antibiótico. Foram descritos casos graves com megacólon tóxico e perfuração do cólon. O diagnóstico é feito pela pesquisa da citotoxina do C. difficile nas fezes.12 A retossigmodoscopia pode auxiliar no diagnóstico, não pode porém estabelecer a etiologia. O tratamento é feito com uso da vancomicina, antibiótico eficaz contra o C. difficile. 

COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES
Infarto Agudo do Miocárdio
O paciente queimado manifesta um estado de hipermetabolismo que é diretamente proporcional à extensão da queimadura. O hipermetabolismo é evidenciado pelos aumentos no consumo de oxigênio, no débito cardíaco, na ventilação minuto e na temperatura corporal. Esta resposta é mediada pela elevação do nível de catecolaminas. O miocárdio estimulado pelas catecolaminas aumenta acentuadamente o consumo de oxigênio, sendo este o principal fator na gênese do infarto do miocárdio.

Pode ser uma patologia não reconhecida, como causa de choque e edema pulmonar em pacientes queimados. Andes diagnosticou IAM em 11 pacientes que faleceram entre os 450 pacientes queimados internados num período de 21 meses; a idade dos pacientes variou de 19 a 75 anos e a extensão da queimadura de 13 a 81% da superfície corporal total. Goff14 fez uma revisão de 2.477 admissões de pacientes queimados, observando 8% de casos de infartos agudos do miocárdio entre aqueles pacientes, com uma mortalidade 3,5 a 4 vezes superior à de infartados sem queimaduras internados em unidades coronarianas. Queimadura elétrica por alta voltagem está associada à alta incidência de anormalidades cardíacas, como alterações eletrocardiográficas, ecocardiográficas e na cintigrafia miocárdica, e elevação de CPK-MB.

O diagnóstico e o tratamento do infarto não diferem daqueles dos pacientes internados em unidades coronarianas, excetuando-se o uso de fibrinolíticos, contra-indicados pelo risco de sangramento nas feridas. 

Arritmia Cardíaca
Pode ser uma complicação do infarto agudo do miocárdio ou ocorrer de forma isolada, sendo a mais freqüente alteração cardiovascular observada nos queimados.

A queimadura elétrica é uma importante causa de arritmia. Quando ocorre um óbito secundário ao choque elétrico de baixa voltagem, ele é devido ao efeito direto da corrente sobre o miocárdio causando fibrilação ventricular. A assistolia cardíaca e a parada respiratória ocorrem como resultado de lesão dos centros cerebrais decorrente de passagem de corrente de alta voltagem.

A monitorização cardíaca deve ser instituída naqueles pacientes vítimas de queimaduras elétricas, uma vez que arritmias são comuns nestes pacientes nas primeiras horas após o evento. Podem ocorrer extra-sístoles, distúrbios de condução atrioventricular e intraventricular. O tratamento será baseado no tipo de arritmia, podendo ser usadas drogas diversas e marca-passo, quando indicados. A desfibrilação no momento do acidente elétrico estaria indicada, porém a disponibilidade de um desfibrilador é rara, podendo ser substituída pelo golpe precordial aplicado com firmeza na junção entre o terço médio e o terço inferior do esterno. 

Tromboflebite Supurativa
Ocorre por contaminação das veias previamente canuladas no paciente queimado. Está diretamente relacionada com a duração de canulação. Ocorre com mais freqüência em veias dos membros inferiores.

Clinicamente observam-se sinais inespecíficos de infecção, como febre elevada e persistente, calafrios, taquicardia e taquipnéia. No local da dissecção venosa podem ser observados sinais flogísticos e drenagem de secreção purulenta. O Staphylococcus aureus é a bactéria mais comumente isolada, embora a infecção por germes gram-negativos, como um grupo, seja mais freqüente.

Pode também ser isolada a Cândida sp. A doença inicialmente localizada caracteriza-se por causar infecção a distância, como pneumonia hematogênica, pielonefrite e endocardite bacteriana.

Todos os pacientes com quadro de infecção devem ter suas veias atual e previamente canuladas exploradas, as incisões devem ser abertas, as ligaduras vasculares removidas e o conteúdo das veias examinados. O diagnóstico é confirmado quando o conteúdo luminal é purulento. O tratamento consiste na excisão da área comprometida da veia envolvida.

As veias tributárias que estão macroscopicamente acometidas também devem ser excisadas. Antibioticoterapia sistêmica deve ser instituída e a identificação do germe deve ser buscada realizando-se hemoculturas e cultura do material excisado. 

Endocardite Bacteriana
A infecção das valvas e cordoalhas tendíneas ocorre muito mais freqüentemente no grande queimado do que na população hospitalar em geral. Os focos primários de infecção, que servem como fonte para o comprometimento cardíaco, se localizam na própria queimadura e na tromboflebite supurativa. O Staphylococcus aureus foi o microorganismo mais freqüentemente isolado nas hemoculturas realizadas.

O diagnóstico é suspeitado naqueles pacientes que apresentam sinais gerais de infecção, sopros cardíacos audíveis, arritmia cardíaca ou insuficiência cardíaca aguda. Três hemoculturas cuidadosamente coletadas são adequadas para firmar o diagnóstico, na maioria das vezes. O ecocardiograma demonstrará uma vegetação em até 80% dos casos de endocardite.

A terapia antibiótica endovenosa deverá ser logo instituída. Pela grande prevalência da infecção pelo estafilococo, um antibiótico resistente à penicilinase deverá ser instituído. Neste caso utilizamos a oxacilina, associada à gentamicina, pela evidência de sinergismo entre estes antibióticos contra o S. aureus.

Atualmente tem sido observada freqüência cada vez maior de estafilococos resistentes à meticilina (MARSA) no ambiente hospitalar. Quando eles causam endocardite bacteriana, é indicado o uso de vancomicina. Todo o esforço deve ser feito na erradicação deste patógeno do Centro de Tratamento de Queimados, devendo ser avaliados todos os funcionários do setor, buscando os portadores e tratando os mesmos. 

Insuficiência Arterial Periférica
Após uma queimadura de espessura total circunferencial de uma extremidade, o edema subescara pode limitar o fluxo sangüíneo para os tecidos. A extremidade distai à queimadura apresentará cianose, frialdade, enchimento capilar alentecido e sintomas neurológicos, especialmente parestesia e dor. Uma avaliação fluxométrica ultra-sônica deverá ser realizada, e se for confirmado o comprometimento de fluxo, uma escarotomia deverá ser realizada.

Pacientes com lesões traumáticas associadas às queimaduras, com queimaduras elétricas ou queimaduras profundas envolvendo músculos, podem apresentar edema abaixo da fáscia muscular que também leva à redução do fluxo arterial. Nestes casos torna-se necessária a realização de fasciotomia.

Ocasionalmente pacientes vítimas de queimaduras elétricas de alta voltagem e carbonizações têm todo o fluxo sangüíneo impedido para o membro acometido. Nestes casos, faz-se o estudo angiográfico; caso seja confirmada a extensa lesão arterial, aguarda-se a delimitação da área de gangrena e realiza- se a amputação, de preferência plana, evitando-se assim o desenvolvimento de abscesso no coto. 

COMPLICAÇÕES TRANSFUSIONAIS
Por ser o grande queimado um paciente que necessitará de grandes reposições de albumina, plasma, concentrado de hemácias, eventualmente de crioconcentrados de fatores de coagulação e plaquetas, ele poderá se tornar portador de diversas patologias infecciosas veiculadas pelos hemoderivados e também ser suscetível às complicações hemolíticas por incompatibilidade sangüínea.

A hemólise por aloanticorpos pode ser intravascular e está comumente relacionada com a incompatibilidade no sistema ABO. Os sintomas incluem ansiedade, taquicardia, taquipnéia, rubor, dor torácica ou lombar, náuseas seguidas de choque e sinais de insuficiência renal. Exames laboratoriais evidenciam níveis elevados de hemoglobina, tanto no plasma quanto na urina, metemalbuminemia e redução acentuada na haptoglobina e na hemopexina séricas.

A hemólise extravascular em geral é causada por anticorpos do sistema Rh, mas outros anticorpos dos sistemas Kell, Duffy e Kidd também se enquadram neste padrão. As manifestações clínicas são brandas, em geral mal-estar e febre, e as reações são retardadas. O melhor indicador laboratorial é o aumento da bilirrubina indireta aliado ao fato do hematócrito não atingir os níveis esperados.

O tratamento consiste em evitar novas transfusões, a menos que haja risco de vida; usar diuréticos osmóticos na prevenção da necrose tubular aguda e iniciar o tratamento geral do choque com reposição volêmica e uso de aminas vasopressoras.

Diversas são as doenças infecciosas transmitidas pelo sangue; em sua maioria, por terem um período de incubação longo, irão se manifestar após a alta hospitalar. Podemos citar: AIDS, malária, toxoplasmose, brucelose, sífilis, hepatite, doença de Chagas, citomegalovirose etc. A profilaxia será feita pela seleção rigorosa dos doadores.

Além destas doenças, o sangue pode ser contaminado por bactérias durante sua manipulação ou armazenamento, levando a alterações clínicas que variam de febre e calafrios até o choque bacteriêmico propriamente dito. O tratamento consiste na suspensão do sangue, uso de antitérmicos e prometazina e, em caso de choque, reposição volêmica e aminas simpaticomiméticas; altas doses de corticóides podem ser usadas neste caso. O sangue utilizado deverá ser cultivado no intuito de ser identificado o patógeno contaminante. 

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS E MUSCULOESQUELÉTICAS
Associamos estas complicações por serem menos freqüentes e normalmente causadas pelo mesmo agente, ou seja, pela eletricidade. Lesões por alta voltagem podem causar dano direto ao cérebro quando o ponto de contato é o crânio, e também podem lesar a medula espinhal e os nervos periféricos quando a corrente atravessa estas estruturas liberando calor. O déficit neurológico é mais comumente motor, tem início geralmente imediato e pode mostrar alguma melhora com o passar do tempo, dependendo da gravidade da lesão do neurônio, porém a completa recuperação é incomum.

As correntes elétricas de alta voltagem também podem lesar músculos, ligamentos e alcançar o periósteo ou mesmo o córtex ósseo. O tratamento consiste no debridamento do tecido lesado e enxertias posteriores. As queimaduras de mão são mais comuns e requerem uma atenção especial.

A condrite de pavilhão auricular é uma complicação relativamente comum de queimaduras de face. Este fato é explicado pela pobre vascularização da orelha e por ser muito fina a cobertura cutânea deste apêndice. A infecção é caracterizada por dor, edema, rubor e aumento de volume da orelha.

O tratamento é cirúrgico e realiza-se o debridamento focai de toda a espessura da cartilagem. Embora raramente seja foco de infecção sistêmica, esta complicação é dolorosa e deformante.

Calcificação ectópica pode ocorrer em diversas articulações devida a imobilização prolongada. O paciente apresenta dor e impotência funcional. O exame radiológico evidenciará a calcificação. A articulação mais afetada é a do cotovelo. A profilaxia é feita com a mobilização precoce das articulações.

A osteomielite é uma complicação pouco freqüente. Pode ocorrer de forma secundária a lesão óssea por trauma associado ou lesão por eletricidade.

O osso pode também ser sede de infecção causada por focos distantes. O diagnóstico é feito por cintigrafia óssea; a radiologia não costuma ser elucidativa nos casos agudos. A ressonância magnética nuclear torna-se valiosa na definição de abscessos e compressão da medula espinhal na osteomielite de coluna vertebral. O diagnóstico etiológico é feito pela identificação do germe em cultura de sangue e do osso. O tratamento é feito com antibioticoterapia sistêmica; ocasionalmente é necessário debridamento cirúrgico. 

DESEQUILÍBRIO DE DOENÇAS PREEXISTENTES
Diversas doenças podem ser complicadas pela queimadura. Observamos no grande queimado um estado de hipermetabolismo promovido pela ação de diversos hormônios, que, associado a uma grande reposição de salina, pode descompensar tanto uma hipertensão arterial quanto uma insuficiência cardíaca previamente compensadas. O mesmo se observa em relação a doenças endócrinas como o diabetes, a insuficiência de supra-renal17 e o hipotireoidismo.

Atenção também deve ser dada às alergias, uma vez que o paciente habitualmente fará uso de diversas substâncias por via oral, endovenosa ou tópica que podem levar a manifestações clínicas de alergia, como asma ou urticária.

Na internação de um paciente queimado, deveremos buscar, na história clínica, informações sobre as doenças pregressas e sobre os tratamentos que o paciente porventura faça. Exames laboratoriais específicos deverão ser solicitados e feito o acompanhamento no intuito de prevenir descompensações. 

OUTRAS COMPLICAÇÕES
Síndrome do Choque Tóxico
Trata-se de uma grave patologia, diagnosticada pela primeira vez em criança queimada em 1985,18 causada pela enterotoxina B produzida pelo Staphylococcus aureus, que pode contaminar as queimaduras. Ocorre mais freqüentemente em crianças. O quadro clínico caracteriza-se por febre alta, taquicardia, taquipnéia e choque. 

Úlcera de Marjolin
Trata-se de carcinoma de células escamosas que se origina em queratinócitos epidérmicos. Surge em cicatriz de queimaduras. 0 diagnóstico é feito por biopsia e exame histopatológico da lesão. 

Tétano
Por ser a escara da queimadura um meio anaeróbico potencialmente capaz de servir de meio de cultura para o Clostridium tetani, a profilaxia do tétano torna-se essencial mesmo em queimaduras superficiais. Devemos administrar gamaglobulina hiperimune para fazermos a imunização passiva e iniciamos a imunização ativa com o toxóide tetânico. 

Avaliação Semiológica do Paciente Queimado
A avaliação semiológica será de fundamental importância no tratamento de um paciente queimado. Cada uma das diferentes classificações das queimaduras apresentar-se-á com um quadro clínico diferente e cada uma mudará dramaticamente o curso do tratamento. Além da quantidade tissular decorrente diretamente da queimadura, o estado metabólico do paciente, suas condições fisiológicas, grau de infecção, enfoque psicológico, todos irão interagir, exercendo impacto sobre o estado clínico e estes devem ser analisados cuidadosamente pelo fisioterapeuta.

HISLOP & MONTGOMERY (1996), mostram que podemos utilizar dois recursos semiológicos: o goniômetro e o teste de força muscular. O primeiro irá medir a amplitude articular do paciente, onde podemos comparar a amplitude do paciente no decorrer do tratamento e assim, avaliar o resultado deste em relação ao ganho de amplitude de movimento.

O segundo irá quantificar e qualificar a potência de um músculo ou grupo muscular. No teste de força muscular iremos caracterizar a força do paciente em graus que variam de zero a cinco. Além disso, é indispensável realizar o teste de sensibilidade para verificar o grau sensitivo apresentado e analisar sucintamente o aspecto da pele.

Em outras palavras, após a revisão da avaliação inicial para a profundidade das queimaduras e quantidade total da área envolvida, o fisioterapeuta dará início à avaliação da capacidade do paciente em movimentar-se e, medirá a amplitude de movimentos disponível deste. A amplitude pode estar limitada devido ao edema e a tumefação, mas pode ser obtida uma medida basal inicial. Ademais, o fisioterapeuta precisa conseguir uma história acurada do paciente e de sua família, com relação a quaisquer limitações predisponentes ou antigas lesões que possam confundir o potencial de reabilitação. 

Tratamento de Emergência e Ressuscitação
O’SULIVAN e; SCHMITZ (1999) verificaram que esta fase do tratamento pode ser definida como “as primeiras 6 a 12horas pós-queimadura”. As metas desta fase dirigem-se aos principais problemas com risco de vida, e à estabilização do paciente por meio de procedimentos projetados para conseguir os seguintes objetivos:

  • 1. Estabelecer e manter uma via respiratória;
  • 2. Prevenir a cianose, choque e hemorragia;
  • 3. Estabelecer dados basais sobre o paciente e a quantidade da área queimada da superfície;
  • 4. Impedir ou reduzir as perdas de fluido;
  • 5. Limpar o paciente e as feridas;
  • 6. Avaliar as lesões;
  • 7. Impedir as deformidade e complicações pulmonares e cardíacas.


Inicialmente, o paciente precisa ser transportado, desde o local da ocorrência da lesão até um hospital de tratamento. Se possível, o transporte se fará diretamente para o centro de queimados. A meta do tratamento em trânsito consiste na estabilização do paciente e na manutenção de uma via respiratória. 

AVALIAÇÃO DO PACIENTE QUEIMADO
A avaliação clínica diária do paciente queimado é de suma importância pois é capaz de revelar alterações importantes que, se corrigidas precocemente, favorecem a sua recuperação. Faremos uma descrição dos principais pontos do exame físico e do seu significado clínico. 

GRAU DE HIDRATAÇÃO
A queimadura constitui uma das maiores agressões que o organismo pode suportar. O desequilíbrio hidroeletrolítico decorrente do trauma térmico é tão intenso que culmina no estabelecimento de um quadro agudo de choque hipovolêmico. O choque é agravado, nos dias subseqüentes, pela perda contínua de água através da superfície queimada. Esta perda pode atingir um volume de até 120 ml/m^ e permanecer enquanto não se completar a cicatrização.

A intensidade da perda hídrica se relaciona diretamente com a profundidade da lesão e com a temperatura ambiente (ou seja, quanto maior a profundidade e a temperatura ambiente, maior a perda), sendo inversamente proporcional ao tempo decorrido da lesão e a umidade relativa do ar (quanto menor o tempo decorrido e a umidade do ar, maior a perda).

Com o decorrer dos dias, há uma redução da perda hídrica e vários fatores contribuem para essa redução. Como exemplo, citamos a aplicação tópica do creme antimicrobiano que reduz em até 30% a perda hídrica.

E importante ressaltar que o balanço hídrico, muito utilizado em terapia intensiva, não tem valor em queimaduras, pois as perdas insensíveis são de difícil quantificação. Desta forma, exaltamos mais uma vez a importância da monitorização do volume urinário de 24 h, fundamental na programação da hidratação diária.

A umidade da pele e mucosas, a textura, o turgor e a elasticidade da pele, o exame ocular e outros sinais semióticos são também importantes na determinação do grau de hidratação do paciente queimado. 

GRAU DE ANEMIA
E muito comum encontrarmos pacientes queimados extremamente hipocorados, apresentando hematócritos muito baixos. Na dependência do grau de queimadura e da extensão da área lesada, ocorre uma discreta hemólise no ato do trauma térmico. Em decorrência da intensa fuga de líquidos para o interstício tanto do tecido queimado quanto do não queimado e da hemoconcentração resultante, a hemólise passa despercebida e dificilmente ultrapassa 10% do hematócrito original.

Após o estabelecimento do equilíbrio hemodinâmico, observa-se uma redução importante do hematócrito que, somada a outros fatores, contribui para as múltiplas transfusões sangüíneas às quais o paciente é submetido.

Um desses fatores é a redução da vida média normal das hemácias de 120 dias para aproximadamente 40 dias. Esta redução é decorrente da destruição periférica das hemácias pois, se transfundirmos o sangue de um queimado para um paciente normal, a expectativa de vida das mesmas é normal; observamos também que a meia-vida das hemácias transfundidas para o queimado é reduzida da mesma forma.

Outro fator atribuído como causa de anemia é o desvio de metabolismo protéico, favorecendo a constituição de uma nova pele, em detrimento da formação das novas hemácias. Um dos fatores que mais contribui para a constante e importante queda do hematócrito é a perda sangüínea, seja decorrente da lesão em si ou dos debridamentos diários. O aparecimento de pequenos focos hemorrágicos é freqüente, sendo alguns tão intensos que necessitam de intervenção cirúrgica para a hemostasia.

Concluímos então que a anemia do queimado não é decorrente de apenas um fator, mas do somatório de vários fatores. Esta anemia pode ser tão severa a ponto de necessitar de um número grande de transfusões sangüíneas.

Em um paciente que recentemente sobreviveu a queimaduras de 85%, contabilizamos um total de 33 transfusões de concentrado de hemácias, com o intuito de manter um hematócrito dentro do aceitável. 

ICTERÍCIA
Não é raro que pacientes queimados desenvolvam um quadro de icterícia colestática. Alguns trabalhos mostram que a queimadura provoca um desarranjo estrutural dos sinusóides hepáticos e a vacuolização dos hepatócitos (esteatose). Laboratorialmente evidencia-se um aumento discreto das transaminases (TGO e TGP), da fosfatase alcalina e das bilirrubinas, predominando a bilirrubina direta.

A icterícia geralmente é transitória e não deve ser considerada como sinal de gravidade e mau prognóstico. Observamos uma maior incidência de icterícia em pacientes com história prévia de alcoolismo. A icterícia decorrente da sepse no queimado possui uma diferente patogenia e constitui fator de mau prognóstico. 

AUSCULTA CARDÍACA
A ausculta cardíaca diária deve ser realizada atentamente, pois uma alteração da mesma pode ser sinal de endocardite. A intensa colonização cutânea aliada a inúmeras invasões por cateter torna o paciente queimado um alvo em potencial desta grave e não rara patologia num Centro para Tratamento de Queimados.

A ausculta cardíaca pode ser normal ou revelar a presença de um sopro pancardíaco, mais audível em ponta, típico de paciente hipercinético. Na maioria das vezes este sopro coincide com uma queda significante do hematócrito, bastando sua correção para o desaparecimento do sopro. 

AUSCULTA PULMONAR
Na avaliação pulmonar diária, devemos estar atentos ao aparecimento de estertores em bases; caso seja confirmada sua presença, devemos imediatamente realizar uma radiografia e pensar na possibilidade de pneumonia bacteriana. Como já citamos, 75% dos óbitos ocorrem por sepse e, destes, muitos iniciam com uma pneumonia na base; decorre daí a importância deste exame diário. É claro que numerosas outras patologias pulmonares podem se fazer presentes, tais como importantes atelectasias ou mesmo embolias pulmonares maciças, mas a fisioterapia diária costuma ser eficiente em preveni-las.

A ausculta e a radiografia pulmonar também são importantes no diagnóstico de outras patologias, como atelectasias e embolia pulmonar (prevenidas com a fisioterapia diária). 

AVALIAÇÃO ABDOMINAL
Em muitos casos, não é possível a realização da palpação abdominal profunda em decorrência das lesões extensas, porém dois pontos são de extrema importância no exame abdominal diário, principalmente nos pacientes queimados que estão utilizando suporte nutricional enteral. Um ponto a ser observado é a presença ou não de distensão abdominal e o outro é a presença ou não de ruídos hidroaéreos abdominais, indicativos de peristalse.

Para que o suporte nutricional flua sem maiores problemas, devemos estar atentos a esses dois pontos. A qualquer sinal de mau funcionamento do trânsito intestinal, devemos suspender ou mesmo alterar o tipo de suporte nutricional empregado. 

PRESENÇA DE EDEMA EM ÁREA NÃO QUEIMADA
Devemos estar atentos aos sinais de edema em área não queimada, que podem indicar a presença de hipoalbuminemia importante. Não será valorizado o edema próximo à área queimada, pois este reflete o comprometimento da drenagem linfática e não necessariamente hipoalbuminemia.

Segundo O’SULLIVAN & SCHMITZ (1999), o tratamento fisioterapêutico terá início no dia da admissão. No tratamento fisioterapêutico vamos utilizar os seguintes recursos, que serão detalhados posteriormente:

1. Limpeza da ferida por queimadura;
2. Hidroterapia;
3. Exercícios ativos e passivos;
4. Posicionamento e imobilização das feridas por queimaduras.

É necessário realizar a limpeza da ferida a fim de evitar possíveis processos infecciosos e também para que estas estejam preparadas para o processo de cicatrização.

A hidroterapia é de grande importância a fim de manter a amplitude de movimentos disponível do paciente. A água atua como um meio de flutuabilidade, para a redução do peso do membro, e também serve para manter úmida a pele em processo de cicatrização, o que facilitará o movimento. Enquanto o paciente estiver dentro da água, a amplitude de movimentos ativos e passivos precisa ser monitorada e cuidadosamente documentada, para que fique assegurado que o paciente não esteja perdendo amplitude de movimento.

O exercício ativo é encorajado em todas as áreas queimadas. Todas as articulações, mesmo as das regiões não queimadas, devem passar por exercícios ativos de amplitude integral. Exercícios ativos auxiliados e passivos deverão ser iniciados se o paciente não conseguir realizar a total amplitude de movimentos com exercícios ativos.

O posicionamento e imobilização têm início no dia da admissão, exigindo cuidados e atenção constantes para que não ocorram contraturas. O paciente está propenso ao desenvolvimento de contraturas devido a cicatrização hipertrófica e a formação de colágeno através das articulações. Podem ser usadas, com grande eficácia, técnicas de facilitação neuromuscular proprioceptiva de contração-relaxamento. 

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO
Metas do Tratamento Fisioterapêutico
Com base nas avaliações, na intensidade e grau da queimadura, no estado de saúde atual do paciente, idade e condições físicas e mentais, o prognóstico para tal paciente será determinado pela equipe de tratamento de queimaduras.

O`SULLIVAN & SCHMITZ (1999) ressaltam que as metas para o tratamento reabilitativo e fisioterápico são contingentes com o prognóstico e potencial do paciente. É difícil determinar metas específicas por causa da natureza variada das lesões, porém, as metas típicas que precisam ser estabelecidas pelo fisioterapeuta são:

1. Obter uma ferida limpa por queimadura, para o desenvolvimento da cicatrização e aplicação de enxerto.
2. Manter a amplitude de movimentos;
3. Impedir complicações ou reduzir as contraturas cicatriciais;
4. Impedir complicações pulmonares;
5. Promover a independência na deambulação;
6. Promover a independência nas atividades de vida diária;
7. Melhorar a resistência e a força cardiovascular;
8. Viabilizar o retorno do paciente ao funcionamento normal, e à vida preexistente à lesão por queimadura.

É importante destacar que se o paciente realizar uma aplicação de enxerto, este não poderá realizar o tratamento fisioterapêutico no primeiro momento e ele precisará aguardar a total cicatrização e recuperação cirúrgica a fim de iniciar a fisioterapia. Há duas preocupações principais na determinação da seriedade e quantidade de área queimada. A primeira é o percentual da área da superfície corporal total que foi queimada. Outra é a profundidade da área queimada.

O paciente queimado precisa concentrar toda a sua energia para que se tente ressuscitá-lo. Há uma exigência nutricional muito grande apresentada pelo organismo por conta do seu hipermetabolismo, e, dependendo do caso, o fisioterapeuta não pode manipular esse paciente, caso contrário, ele irá hiperventilá-lo e complicar sua parte respiratória. Porém, este pode atuar no posicionamento, elevando o braço, por exemplo, em abdução de 90º para evitar a contratura na região axilar ou o mantendo em extensão cervical para evitar a contratura nessa área.

Vale ressaltar que as regiões cervicais e axilares são as duas áreas de maior risco e que mais deixam o paciente deformado. Com a queimadura o paciente perde a pele, que é a proteção do seu corpo, então o primeiro passo a ser dado é a reposição hidroeletrolítica, ou seja, a hidratação do paciente. Além disso, o fisioterapeuta precisa dar uma atenção especial à hidratação da pele do paciente, utilizando vários recursos, como por exemplo, óleos que tem por finalidade manté-la constantemente hidratada. Uma forma de reduzir o risco da infecção é o trabalho da fisioterapia na redução do edema, que é fator favorável à colonização bacteriana. 

Quando Iniciar a Fisioterapia?
Sabe-se hoje em dia que, quanto mais precoce for iniciada a Fisioterapia, melhores serão os resultados futuros. A terapêutica deverá iniciar-se logo após a internação com avaliação detalhada do fato, com ênfase para o tipo de queimadura, agente causai, superfície corporal queimada, área corporal atingida, dando-se importância a regiões articulares comprometidas, avaliação minuciosa da via aérea, logo após a estabilização do quadro clínico que deverá se concretizar após 48 ou 72 horas após a injúria térmica. 

Para Que e Por Que Fazer Fisioterapia com Pessoas que Sofreram Queimadura?
A fisioterapia sempre foi vista como uma terapia empregada em pessoas que apresentavam sequelas. Na queimadura ela exerce um papel primordialmente preventivo, caso seja iniciada precocemente, como preestabelecem os grandes centros especializados do mundo. Caso não seja iniciada precocemente o paciente poderá desenvolver sequelas, principalmente pela imobilidade ou pela posição antálgica que exerce.

A principal função dos exercícios fisioterápicos está ligada à recuperação da amplitude de movimento de cada sistema osteomioarticular atingido; redução do edema, o mais rápido possível; melhoria da circulação na região atingida; recuperação dos movimentos funcionais, promovendo alinhamento das fibras cicatriciais, evitando seqüelas promovidas por uma cicatrização anárquica; e a independência deste paciente.

Temos de ter em mente que todo período será cercado de muita insegurança, incerteza e que um dos maiores obstáculos enfrentados pelo paciente é o medo da dor ou qualquer situação que possa precipitá-la. A dor contribui significativamente para uma resposta emocional que envolve ansiedade, depressão, agressão e regressão, complicando, e muitas vezes impedindo, a recuperação física e conseqüentemente acarretando seqüelas.

Torna-se necessário, ou melhor, imprescindível, que o profissional seja firme e constante em suas colocações, mas que consiga exercer um elo de confiança para que não ocorra ao paciente a associação de que sempre ao movimentar-se sentirá dor, levando-o a realizar o contrário do que queremos, que é movimentar-se ativa e constantemente. 

Que Tipo de Tratamento Realizar?
Como já foi inicialmente citado, a melhor conduta fisioterápica a ser empregada é a cinesioterapia, a posição de drenagem postural e a massoterapia com objetivo principal na redução do edema, seguido dos outros objetivos.

Esta conduta passa a ter importância á partir do momento que se consegue redução deste edema, pois conseguiremos aumentar o fluxo sangüíneo regional, auxiliar o retorno venoso e linfático, pela estimulação dos vasos de pequeno calibre da articulação mobilizada, levando mais oxigênio e nutrientes para a região atingida, acelerando o processo e dando qualidade cicatricial.

Outros objetivos a serem alcançados são a preservação da integridade articular, impedindo sua rigidez, o encurtamento de tecidos moles, aderências, sinéquias, e a manutenção da melhoria dos padrões de movimento pela estimulação dos receptores cinestésicos. Os exercícios ativos, assistidos, resistidos, isométricos e de relaxamento são realizados quando indicados, dando- se sempre prioridade aos movimentos ativos livres. Devemos ter precaução na utilização de exercícios isométricos mantidos por causa do efeito Valsalva no coração.

A melhor indicação desta técnica é no período pós-enxertia pois o membro ou região enxertada deverá permanecer imóvel por aproximadamente uma semana, sendo então necessário manter o trofismo muscular sem que haja mobilidade articular. Os exercícios passivos não devem ser realizados a não ser em caso de incapacidade funcional ou processo de coma induzido ou não. Outra técnica de grande importância é a saída precoce do paciente do leito e a deambulação progressiva. Cabe lembrar que os exercícios devem ser empregados tanto para regiões atingidas como não atingidas e não devem ser extenuantes. 

Quantas vezes Deverá Ser Feita a Fisioterapia?
A proposta (mais aceita hoje em dia é que se realize um programa Fisioterapia intensiva), ou seja, diariamente ou se possível duas vezes ao dia durante a internação e uma vez ao dia após alta hospitalar, ambulatorialmente ou domiciliar. É claro que o sistema de saúde pública hoje no Brasil não consegue seguir este padrão; portanto cada hospital deverá se ajustar conforme sua realidade, tentando sempre alcançar o mais próximo possível.

A grande preocupação na qual o fisioterapeuta deve se deter é no que diz respeito ao gasto metabólico que este paciente possa vir a ter com o excesso de exercício ou intensidade do mesmo. É de primordial importância o cumprimento de um programa fisioterapêutico bem distribuído, onde não sejam sobrecarregados nenhum membro, região ou órgão, pois sabemos que este paciente apresenta um processo de intenso catabolismo. A integração do fisioterapeuta com os demais profissionais, principalmente o médico e os da nutrição, que estão ligados ao processo alimentar, estará diretamente ligada ao sucesso ou insucesso do tratamento. 

Para Que Usar Órteses e Quando Usar?
As órteses são aparelhos para serem usados externamente no corpo para estabilizar o membro, reduzir a dor e a deformidade, melhorar a função ou proteger a parte afetada ou lesada.

• As órteses devem distribuir a pressão sobre uma grande superfície para evitar áreas isoladas de isquemia e de rompimento da pele.
• As órteses devem ser removidas duas vezes ao dia, para realização dos exercícios, e a terceira para a balneoterapia. Caso seja utilizada apenas no período noturno, deverá ser retirada logo ao amanhecer para que o membro fique livre para os exercícios.
• Outra importância da órtese é a estabilização no período de enxertia, que deverá ser de aproximadamente 7 dias ou conforme orientação da equipe cirúrgica.


Por Quanto Tempo?
Sabe-se hoje que a cicatrização de uma região extensa atingida por alteração térmica dura aproximadamente 2 anos. Portanto, a fisioterapia deverá ter continuidade por todo tempo, mesmo que próximo do fim deste tempo seja realizada uma a duas vezes por semana ou apenas por orientações. 

SEQUELAS
O melhor método para prevenir contraturas e/ou seqüelas é a continuidade do programa fisioterápico (exercícios, posicionamentos, órteses estáticas e dinâmicas). No entanto vale ressaltar que, mesmo depois desse esforço incessante da equipe e do paciente, o mesmo poderá desenvolver limitação de movimento e deformidade, sendo necessária intervenção cirúrgica para reparação ou estética.

As deformidades mais comuns a serem evitadas são:
• Mão em garra.
• Flexão de punho.
• Alterações interfalangianas.
• Alterações metacarpofalangianas.
• Adução ou abdução do polegar.
• Flexão de cotovelo.
• Pronação de antebraço.
• Flexão com abdução de coxofemoral.
• Pé eqüino ou equinovarum.
• Flexão de cervical.
• Axilar com restrição para abdução e anteroversão de ombro.
• Contratura de boca, olhos ou nariz impedindo abertura ou fechamento normal. 

QUADRO RESPIRATÓRIO
As complicações respiratórias nos pacientes queimados apresentam um índice elevado de óbitos. A fisioterapia respiratória é a unidade que visa ao restabelecimento da função ventilatória-respiratória através da redução do trabalho da mecânica respiratória, da permeabilidade das vias aéreas, da ampliação dos diâmetros torácicos e a conseqüente expansão do volume pulmonar.

Os principais problemas, exceto os relacionados com a inalação de fumaça ou queimadura direta de via aérea, que tratam-se de um capítulo à parte, são: queimadura de face evoluindo com edema importante, edema pulmonar oriundo da hipervolemia, restrição respiratória proveniente de edema de tórax e em queimaduras circulares levando a esforço respiratório, que deverá ser tratada cirurgicamente com escarotomia.

Associada a este quadro respiratório podemos observar a elevação da pressão arterial pulmonar induzida por agentes vasoconstritores, tais como catecolaminas, tromboxane e serotonina, que são liberados pelo tecido queimado. Uma redução na pressão de oxigênio e na complacência pulmonar é freqüentemente observada.

As infecções respiratórias também são complicações importantes, que podem estar presentes principalmente se o paciente encontra-se restrito ao leito por apresentar queimadura extensa de membros inferiores ou está com tubo orotraqueal.

As técnicas de ventilação não invasivas com pressão contínua nas vias aéreas (CPAP) ou ventilação bifásica ou pressão de suporte poderão e deverão ser utilizadas em situações de congestão hídrica pulmonar, na prevenção da ventilação invasiva e preventivamente contra as restrições cicatriciais do tórax. Durante a ventilação por pressão positiva, deveremos sempre monitorizar a pressão arterial por causa do aumento da pressão intratorácica.

Dentre os recursos mais utilizados para atingirmos nossos objetivos, estão as manobras de desobstruções brônquicas, cinesioterapia respiratória, técnicas de reexpansão pulmonar e a recuperação da biomecânica ventilatória-respiratória. Devemos salientar que cicatrizações torácicas poderão futuramente provocar patologias pulmonares restritivas. 

QUEIMADURAS DE VIAS AÉREAS
As vias aéreas superiores são capazes de reduzir a temperatura do ar inspirado, protegendo o trato respiratório inferior das queimaduras. A lesão direta do calor, na maioria das vezes, permanece restrita à face, orofaringe e vias aéreas superiores. O ar superaquecido é rapidamente esfriado antes de alcançar o trato respiratório inferior. A exceção é o vapor, que possui cerca de 4.000 vezes mais capacidade de armazenar calor do que o ar.

É obrigatório, ao examinar um paciente queimado, investigar a presença de queimadura das vias aéreas, mesmo que aparentemente o paciente não apresente sinais sugestivos desta grave complicação, na maioria das vezes fatal. Na investigação da causa do acidente térmico, questionar se foi em ambiente fechado (porão), se houve inalação de fumaça (grandes incêndios com demora de resgate) ou de vapor superaquecido (explosão de caldeira).

Cerca de 80% dos óbitos ocorridos no local do incêndio são por envenenamento por monóxido de carbono (CO). O CO tem afinidade para a hemoglobina 200 a 240 vezes maior que o oxigênio, gerando a hipóxia tissular, acidose e redução na oferta de oxigênio (O2) ao cérebro.

A inalação de produtos de combustão determina alterações nas vias aéreas superiores e inferiores, em maior ou menor grau, estando relacionadas com a quantidade de material de combustão inalado. Ocorre edema progressivo determinando obstrução da via aérea superior, broncoespasmo secundário a irritantes inalados, hiperemia do epitélio ciliado, presença de exsudação traqueobrônquica, obstrução das vias aéreas inferiores por edema e perda do mecanismo de depuração ciliar; microatelectasias difusas por perda de surfactante e mudanças na permeabilidade capilar pulmonar resultando em edema pulmonar.

A perda do mecanismo de depuração ciliar e a redução da função imunitária pulmonar facilitam o crescimento bacteriano e pneumonia. Nas grandes inalações de material de combustão, há queda na relação Pa02/Fi02. 

FASES CLÍNICAS
O curso clínico dos pacientes com inalação de material de combustão é dividido em 3 estágios:

• 1° Estágio — Insuficiência Respiratória Aguda
Ocorre dentro das primeiras 36 horas após a inalação e cursa com asfixia, envenenamento por monóxido de carbono, broncoespasmo, obstrução de vias aéreas e lesão do parênquima pulmonar.
• 2º Estágio — Edema Pulmonar
Ocorre em 5 a 30% dos pacientes usualmente depois de 48 a 96 h de queimadura.
• 3° Estágio — Broncopneumonia

A obstrução inflamatória dos bronquíolos terminais e a necrose da mucosa endobrônquica tornam o parênquima pulmonar suscetível às infecções, que ocorrem 3 a 10 dias após a lesão, em 15 a 60% de pacientes, cursando com mortalidade de 50 a 86%. 

DIAGNÓSTICO
História de exposição à fumaça em locais fechados (paciente que está torporoso ou inconsciente). A queimadura das vias aéreas provoca uma lesão progressiva, dentre elas o broncoespasmo intenso, que, conforme o agravamento do edema da mucosa brônquica lesionada pode levar a um grave quadro de insuficiência respiratória. 

ACHADOS FÍSICOS
Queimadura de face está presente em 70% dos pacientes com inalação, porém 70% ou mais dos pacientes com queimadura de face não têm lesão significativa em vias aéreas. Estridor e rouquidão são achados precoces e freqüentes, embora não possam predizer o curso clínico nem as seqüelas em longo prazo. Queimadura das vibrissas nasais e lacrimejamento são sinais sutis de inalação.

Escarro carbonáceo é um sinal importante de inalação, observado em quase metade dos pacientes. Está relacionado com o achado broncoscópico de fuligem na traquéia.

Hipersecreção brônquica, tosse, ausculta pulmonar com roncos e sibilos difusos, dispnéia, desorientação e coma. Esses sintomas têm início, na maioria das vezes, 24 a 48 horas após a queimadura. O início mais precoce desses sintomas pode representar um sinal de gravidade. 

As Manifestações Clínicas da Lesão por Inalação:
Tosse
Sibilos
Esforço respiratório
Secreção pulmonar carbonoárea
  
ACHADOS LABORATORIAIS
· Hipoxemia e/ou elevação dos níveis de monóxido de carbono.

 MÉTODO DIAGNÓSTICO
Radiografia de tórax — não é um exame específico, pois na maioria das vezes é normal, mas deve ser solicitado em todos os casos, independente da suspeita de inalação de material de combustão.

Gasometria arterial — deve ser sempre realizado quando há suspeita de lesão por inalação. É um exame importante para avaliar e quantificar alterações na hematose, assim como para o diagnóstico precoce da hipoxemia grave (síndrome de angústia respiratória) e para acompanhamento evolutivo.

Broncoscopia — é o método diagnóstico mais eficaz. Os achados positivos são edema de via aérea, ulcerações, palidez, eritema ou necrose de mucosa, presença de secreção e material carbonáceo na via aérea. Todos os pacientes que têm sinais clínicos ou suspeita de inalação de produtos de combustão devem ser submetidos à broncoscopia para diagnóstico.

Cintilografia pulmonar com xenônio radioativo — é o método mais específico para definir as lesões do parênquima pulmonar. Este exame identifica áreas de obstrução total ou parcial de vias aéreas. 

TRATAMENTO ESPECÍFICO PARA AS VIAS AÉREAS
O tratamento da lesão pulmonar inalatória permanece ainda de suporte, sendo importante a atenção minuciosa à higiene pulmonar, com aspiração endotraqueal, broncodilatadores e umidificação. O uso de antibióticos profiláticos não tem lugar no tratamento da lesão pulmonar inalatória, exceto quando houver suspeita de pneumonia associada, o que ocorre em até 50% dos casos. Nesse caso, a cobertura inicial deve ser dirigida aos germes mais prevalentes na unidade, normalmente bactérias entéricas gram-negativas. 

Oxigenoterapia
Em pacientes com suspeita ou com diagnóstico clínico de inalação de material de combustão, a administração de oxigênio a 100% através de máscara facial deve ser a mais precoce possível, especialmente nos pacientes passíveis de inalação concomitante de CO. A administração de oxigênio em altas concentrações irá competir com o CO em relação à saturação da hemoglobina.

Em pacientes com suspeita de inalação de CO, que apresentem sinais neurológicos que não sejam revertidos com a administração de altas concentrações de oxigênio sob máscara, a utilização de oxigenoterapia hiperbárica está indicada. 

Via Aérea Artificial
A manutenção da via aérea é crítica. A presença de edema na via aérea superior gerando desconforto respiratório indica a necessidade de intubação traqueal, pois o edema geralmente é progressivo aumentando em 8 a 12 h. A intubação traqueal não deve ser feita em pacientes sem sinais clínicos de comprometimento respiratório agudo.


Critérios para Intubação Traqueal e Ventilação• Pa02 50
• PA02/Fi02;


VENTILAÇÃO ARTIFICIAL
Pacientes que necessitam de via aérea artificial e ventilação mecânica são aqueles cujas lesões do parênquima pulmonar, pela inalação, impedem que as trocas gasosas sejam efetivas.

As lesões pulmonares podem evoluir para a síndrome de angústia respiratória, que necessitará de todo suporte ventilatório para a reversão do quadro.

Uma vez instalada a lesão pulmonar, pode-se utilizar a ventilação convencional, a ventilação com pressão positiva intermitente mais pressão positiva expiratória final (IPPV + PEEP) ou métodos de suporte, como a ventilação com suporte pressórico e pressão positiva expiratória final (PSV + PEEP).

Caso o quadro clínico piore e haja redução progressiva da complacência pulmonar, com ou sem elevação da resistência das vias aéreas, a ventilação com limitação de pressão e pressão positiva expiratória final (PCV+PEEP), utilizando a técnica de volume corrente reduzido (5 a 7 ml/kg), estará indicada. Esta forma de ventilação é denominada de hipercapnia permissiva, pois durante seu emprego os níveis de CO2 arterial podem chegar a 80/90 mmHg.

As vantagens são a diminuição dos níveis de pressão inspiratória e conseqüentemente do barotrauma e principalmente a redução no volutrauma. Nas formas graves também pode ser associada, desde que possível conforme o quadro do paciente, a ventilação prona, que é a rotação periódica do paciente no leito da posição supina para a posição prona, permitindo a troca de posição do líquido acumulado nas regiões dependentes dos pulmões, melhorando transitoriamente a pressão parcial de oxigênio arterial (PaÜ2).

Também nas formas graves de falência respiratória, associadas ou não à inalação de CO, a oxigenação extracorpórea (ECMO) pode ser associada a qualquer método ventilatório, permitindo a redução nos parâmetros de ventilação, redução na fração inspirada de oxigênio (FÍO2) até a recuperação pulmonar.

A ventilação de alta freqüência também está indicada nos pacientes com lesões pulmonares por inalação, pois, além de prover suporte ventilatório adequado, tem-se mostrado eficaz na redução da incidência de pneumonia.
Estudos experimentais em animais mostram que a ventilação líquida com perfluorocarbono tem futuro no tratamento das lesões pulmonares por inalação. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho dos profissionais especializados em queimadura, na tentativa de sua reabilitação, é difícil, estressante, árduo, mas gratificante. Ao vermos recuperado aquele paciente que adquiriu novamente sua autonomia, sua emancipação, temos a certeza que sempre valerá nos aprofundarmos nas pesquisas, nos estudos, para uma melhor qualidade de vida destas pessoas que tiveram sua integridade física, psíquica e social mutiladas. 

REFERÊNCIAS
ALENCAR. Semiologia em Reabilitação . Rio de Janeiro: Atheneu.

GOMES; D.R. et al.Condutas Atuais em Queimados. Revinter, 2001

HISLOP, Helen J. & MONTGOMERY, Jacqueline. Provas de Função Muscular. 6. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996.

LIANZA, Sérgio. Medicina de Reabilitação . 3. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

O’SULLIVAN, Susan B. & SCHMITZ, Thomas J. Fisioterapia: Avaliação e Tratamento. 2. Ed. São Paulo: Manole, 1999.

QUEIMADOS: Intervenção com responsabilidade. n.º 11, p.18-22, junho. 2001.

TEIXEIRA, Elisabeth. As Três Metodologias . 1. Ed. Belém: Cejup, 1999.

4 comentários:

Nátaly disse...

Muito bom... bastante completo e principalmente, extremamente esclarecedor!!!!! obrigada de verdade

Thais Fernanda disse...

Muito bom!!

Unknown disse...

Gostaria de saber quem é o autor e se existe outros trabalhos dele sobre este tema?

Unknown disse...

Excelente,

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