RESUMO
Ramachandran
et al. foram os primeiros a
introduzirem o uso do espelho para induzir a sensação cinestésica em membros
amputados. Os mecanismos neurofisiológicos envolvidos para explicar a
terapia–espelho ainda não são claros, mas estão relacionados com o efeito
causado pelo feedback visual em áreas corticais sensóriomotoras. Essa entrada
visual pode ser o suficiente para evocar a percepção cinestésica em certas circunstâncias.
Neste contexto, a terapia-espelho é uma possibilidade segura e útil que vem
demonstrando resultados positivos na recuperação funcional de pacientes com
hemiparesia pós-acidente vascular cerebral.
INTRODUÇÃO
Três dicotomias
um tanto artificiais tem atormentado a neurologia desde suas origens. Primeiro,
existiu um debate se diferentes capacidades mentais são claramente localizadas
em módulos ou são elas mediadas de uma forma holística? Segundo, se os módulos
especializados existem, se eles funcionam de forma autônoma ou se eles
interagem substancialmente? Terceiro, são eles flexíveis ou podem ser
modificados pela mudança na entrada de informações, mesmo em cérebros de
adultos, ou seja, seria o dano cerebral em adultos irreversível ou seria
possível alguma recuperação? Inúmeras gerações de profissionais de medicina
foram ensinadas que funções são localizadas e fixas e que danos são geralmente
permanentes; embora existam sempre vozes divergentes. No entanto, vem ocorrendo
uma mudança de paradigma na neurologia com um aumento na rejeição deste dogma
clássico. Essa mudança teve seu início no trabalho de Patrick Wall, através de
suas evidências para a nova visão de função cerebral. Foram levadas em conta
evidências de ambas as interações intersensoriais assim como da plasticidade
dos módulos cerebrais. É claro que todas essas evidências são provenientes de
investigações em cérebros adultos; contradizendo o dogma de comunicações
cerebrais imutáveis1,2.
Partindo
desses princípios, na tentativa de atenuar os déficits sensório-motores e
acelerar o processo de recuperação funcional, atualmente a técnica de
terapia-espelho (feedback visual
espelhado), introduzida por Ramachandran e Rogers em 19921 para o
tratamento de pacientes com dor fantasma, é utilizada para o tratamento da
hemiparesia pós-AVC. A terapiaespelho consiste de uma técnica que usa um
espelho de 2 x 2 m, verticalmente apoiado sagitalmente no meio de uma caixa
retangular. A técnica sugere que uma rede neural responsável pelo controle de
uma mão em uma determinada tarefa pode ser utilizada nos movimentos de outra
mão, referindo-se à capacidade de memorização de um procedimento. A idéia é
reeducar o cérebro através de uma simples tarefa, onde o indivíduo realiza uma
série de movimentos com o braço saudável, sendo que este é visto ao espelho
como se fosse o braço lesionado. Dessa forma, pretende-se “enganar” o cérebro,
fazendo com que ele imite os movimentos do braço lesionado através do reflexo
do braço não-lesionado no espelho3.
Após
este trabalho inicial, realizado por Ramachandran e Rogers1, outros
estudos subsequentes se inspiraram nestes achados utilizando a terapia-espelho2.
Muito se especula sobre a eficácia da técnica, devido aos bons resultados
observados através de estudos clínicos recentes. Dessa forma, sugere-se que a
técnica possui um grande potencial para futuras aplicações e implicações no
campo da neurologia. Mesmo que somente uma pequena proporção de pacientes seja
ajudada, estes resultados já seriam de grande valor, dado à alta incidência de
AVCs, já que cerca de um décimo da população mundial sofrerá algum tipo de
déficit sensório-motor relacionado ao AVC. Além disso, mesmo que a técnica
beneficie uma minoria de pacientes, esta é capaz de preparar o caminho para um
futuro mais completo de terapias efetivas uma vez que conhecemos as variáveis
envolvidas.
Em
estudo piloto placebo-controlado2 conduzido com 9 pacientes, foi
observada uma recuperação funcional moderada em 3 pacientes, leve em outros 3,
e quase nenhuma nos últimos 3. Subsequentemente, um número de relatos de caso e
series4-6 encontraram benefícios para a hemiparesia pós-AVC. Mais
recentemente, 2 estudos randomizados e controlados encontraram melhora
significativa da hemiparesia7,8. Ambos os estudos utilizaram 40
pacientes com hemiparesia, sendo no primeiro com hemiparesia de membros
inferiores7 e no segundo com hemiparesia de membros superiores8
inscritos até 12 meses pós-AVC. Os sujeitos foram randomizados em grupo de
terapia-espelho (movimentos das pernas para o primeiro estudo e movimentos de
ambas as mãos e braços para o segundo) ou de controle, sendo que todos os
sujeitos receberam um protocolo de fisioterapia como intervenção controle. Foi
verificada uma melhora estatisticamente significativa dos déficits
sensório-motores através da escala de Brunnstrom e pela escala FIM em favor do
grupo que recebeu terapia-espelho quando comparados ao grupo controle. Estes
resultados indicam que muitos pacientes mostram recuperação substancial de suas
funções usando terapia-espelho. Mas a variabilidade sugere que a técnica pode
ajudar alguns pacientes mais do que outros. Esta variabilidade pode depender em
parte do local exato da lesão e duração dos déficits pós-AVC. Uma vez que estas
variáveis tenham sido entendidas, pode ser possível administrar a
terapia-espelho para estes pacientes que são capazes de se beneficiarem mais
(embora a simplicidade da técnica, esta possui potencial para ser implementada
habitualmente como terapia adicional).
A maneira pela
qual é estabelecida a restauração da ligação entre visão e movimento pode levar
a uma resolução da paralisia aprendida em pacientes pósAVC, e com isto em
mente, uma possível explicação clínica para os resultados apresentados acima,
seria o sistema de neurônios-espelho (SNE)9. Este sistema de
neurônios é encontrado tanto nos lobos frontal quanto no parietal, áreas ricas
em neurônios responsáveis por comandos motores, os quais disparam na produção
de movimentos habilidosos simples, tais como se alguém pegasse um amendoim ou
pusesse uma maçã em sua boca. De forma extraordinária, um subconjunto desses
neurônios, “neurônios-espelho”, também disparam quando alguém apenas observa
outra pessoa realizar o mesmo movimento. Os neurônios-espelho permitem que um
sujeito se coloque no lugar de outro, vendo o mundo desde a perspectiva do
outro, não somente física, mas também mentalmente, a fim de deduzir a ação
iminente do outro.
Neurônios-espelho
necessariamente envolvem interações entre modalidades múltiplas, visão,
comandos motores, propriocepção, os quais sugerem que eles poderiam estar
envolvidos na eficácia da terapia-espelho em pacientes pós-AVC. Quando se trata
do AVC, as reorganizações da imagem corporal no córtex sensorial e motor podem
gerar limitações reais do movimento, mas também limitações que podem ser
classificadas como “paralisia aprendida.” Isto se dá devido a um vaso sanguíneo
obstruído no cérebro, as fibras que se estendem do cérebro para a medula espinhal
ficam sem oxigênio e sofrem um dano, gerando uma paralisia real; porém, nas
fases iniciais de um derrame, o cérebro apresenta um edema, deixando também,
temporariamente, alguns nervos simplesmente atordoados e desligados. Durante
este período, quando o membro não funciona, o cérebro recebe feedback
visual negativo. Depois que o edema diminui, em virtude da vivência de um feedback
visual negativo, é possível que o cérebro do paciente fique com uma forma de
“paralisia aprendida”3. Uma possibilidade é que caso exista um
resíduo de neurônios-espelho sobreviventes e latentes, através da
terapia-espelho um fornecimento de informação visual através da terapia-espelho
poderia reviver os neurônios motores.
Tal
possibilidade foi investigada e confirmada por um grupo de pesquisadores que
utilizaram em um grupo experimental um protocolo composto de terapia-espelho e
também de vídeos onde os pacientes assistiam a movimentos realizados por
pessoas sadias, para que logo após tentassem usar seu braço parético para realizar
os movimentos. Comparado ao grupo controle que realizou um protocolo de
fisioterapia convencional e assistiu um vídeo com símbolos geométricos, o grupo
experimental apresentou resultados superiores. Os autores salientam ainda que
este protocolo possa ser utilizado por pacientes com hemiparesia bilateral
pós-AVC, através do movimento de um braço por parte do paciente enquanto
assiste o reflexo do braço do fisioterapeuta no espelho10.
Partindo do
princípio de que além dos tratos córtico-espinais que trafegam
contralateralmente desde o córtex motor, existem também alguns ipsilaterais.
Por exemplo, o córtex motor direito envia suas eferências não somente para o
lado esquerdo da medula espinal como ainda se pensa, mas também para a medula
espinal contralateralmente. Dentro deste contexto, argumentamos se, seriam
estas vias excitatórias ou inibitórias? Seriam estas funcionais ou vestígios
remanescentes de alguma via antiga não cruzada antes? Quando comandos são
enviados para o lado contralateral do corpo, por que nenhum comando vai
simultanea mente para os músculos ipsilaterais? Seriam, portanto esses
movimentos ipsilaterais reprimidos espelhados no lado esquerdo? E por último,
se as informações do hemisfério direito para o lado esquerdo, medula espinal e
corpo é danificada pelo AVC, então por que a via ipsilateral desde o lado
esquerdo para a medula espinal não pode assumir o comando e mover o membro
paralisado? Nenhuma dessas questões foi respondida satisfatoriamente, porém com
uma investigação mais meticulosa, seria possível tirar vantagem dessas conexões
em um cenário clínico, pois talvez o feedback visual atue
reativando estas conexões ipsilaterais latentes10.
Os estudos
sobre terapia-espelho demonstram que a referida técnica tem grandes
implicações, ambas para a prática clínica e para nosso entendimento teórico do
cérebro. Do ponto de vista clínico, os estudos sugerem que a terapia-espelho
pode acelerar a recuperação funcional de uma ampla gama de desordens
sensório-motoras, tais como hemiparesia pós-AVC ou outra lesão cerebral1-8.
Em um nível teórico, os achados também têm grande relevância para nosso entendimento
de função cerebral normal e anormal. A antiga visão de função cerebral (modelo
padrão), proveniente do século passado e que a neurologia ainda tem se baseado,
é a noção que o cérebro consiste de um número grande de módulos autônomos
altamente especializados que interagem muito pouco com os outros no nascimento.
Desordens neurológicas, nesta visão, resultam de um dano relativamente
irreversível e permanente para um único ou um pequeno subconjunto de módulos, o
qual não explicaria exatamente a especificidade da localização de sinais e
déficits, mas também porque existe geralmente tão pouca recuperação de função
após lesões ou danos cerebrais. Ao eliminar um módulo automaticamente uma
função é eliminada para sempre.
Em conclusão,
os resultados aqui apresentados têm grandes implicações, tanto para prática
clínica quanto para o entendimento teórico sobre o funcionamento do cérebro. Do
ponto de vista clínico, os resultados sugerem que a terapia-espelho pode
acelerar a recuperação de funções em pacientes hemiparéticos que sofreram AVC e
possivelmente outras lesões ou danos cerebrais, tal como o traumatismo
crânio-encefálico, ou até mesmo lesões periféricas, tal como síndrome dolorosa
complexa regional. Resta saber se pacientes com outras doenças, como Parkinson
ou distonias focais, poderiam se beneficiar do uso desta terapia. Ainda que
pareça improvável, tal questão merece ser explorada. Na verdade, estes achados
demonstram inequivocadamente que usando procedimentos muito simples, podem ser
anuladas barreiras entre módulos (e.g. entre visão e propriocepção), e, mais
extraordinariamente, entre um cérebro e outro, um paciente literalmente
vivencia outra dor em seu membro1,3. Tais achados sugerem que é
necessário repensar a visão de que o cérebro trabalha de forma seriada e
hierárquica com seus módulos e substituí-la por uma nova visão mais dinâmica.
Ao invés de se pensar os módulos cerebrais como inflexíveis e autônomos estes
deveriam ser vistos como estando em um estado de equilíbrio dinâmico com o
outro e com o ambiente (incluindo o corpo), com conexões sendo constantemente
formadas e re-formadas em resposta a mudanças ambientais necessárias. Uma
disfunção neurológica, pelo menos em algumas instâncias poderia ser causada não
tanto pelo dano irreversível de um módulo, mas por uma mudança funcional no
equilíbrio. Dentro deste contexto, talvez o ponto de equilíbrio possa ser
modificado para seu estado normal pelo pressionamento de uma tecla “reset”
usando relativamente um procedimento simples e não-invasivo como a
terapia-espelho.
CONCLUSÃO
Os
mecanismos neurofisiológicos envolvidos para explicar a terapia-espelho ainda
não são claros, mas estão relacionados com o efeito causado pelo feedback visual em áreas corticais
sensório-motoras. Essa entrada visual pode ser o suficiente para evocar a
percepção cinestésica em certas circunstâncias. Neste contexto, a
terapia-espelho é uma possibilidade segura e útil que vem demonstrando
resultados positivos na recuperação funcional de pacientes com hemiparesia
pós-acidente vascular cerebral.
REFERÊNCIAS
1.Ramachandran VS, Rogers-Ramachandran D, Stewart M.
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rehabilitation of motor deficits after stroke. Neuroimage 2007;36:164-73.
1 comentários - Add Yours
Oi, pergunta seria: se eu tiver o Nervo alveolar inferior cortado, vai dar Degeneração Walleriana. Todos nervos perto deste nervo vao ser degenerados? Todo o Nervo trigêmeo? Vai degenerar ate chegar ao neuronio do cerebro? Eu ja ranquei dentes a anos e nao perdi o Trigemeo? me responda por email, e por aqui se quiser mateus9595@bol.com.br
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